REVISTA VEJA
A Brasília de Bishop é calor, suor e poeira - uma poeira vermelha que se levanta em nuvens à passagem dos veículos e impregna as roupas e os tapetes do Brasília Palace Hotel, onde ela ficou hospedada. A poeta se surpreende com a secura e a desolação do local. Comparado com qualquer outro espaço habitável deste país "fantasticamente bonito", escreve, o lugar parece "notavelmente pouco atrativo e pouco promissor". Não há "nem montanhas, nem colinas, nem rios, nem árvores", tampouco "o sentimento de grandeza, de segurança, de fertilidade, do pinturesco" ou qualquer outra das qualidades "que se imagina capazes de dar beleza e caráter a uma cidade". Mundo em criação que era, Brasília não tinha ainda o seu lago. As únicas dádivas que a "Mãe Natureza" proporcionou ao lugar, conclui a poeta, são "o céu e o espaço".
Havia apenas dois prédios prontos - o Brasília Palace Hotel e o Palácio da Alvorada. As colunas do Palácio da Alvorada deslumbraram os visitantes. Huxley deslocou-se para examiná-las de vários ângulos. Outros membros da comitiva as tocaram e fotografaram à exaustão. Bishop as descreve com imagens de poeta: "Se alguém imagina uma fileira de enormes pipas brancas, postas de cabeça para baixo, e então agarradas por mãos gigantes e apertadas em rodos os seus quatro lados, até que sejam elegantemente atenuados, pode ter uma ideia delas razoavelmente acurada". Já o interior do palácio não lhes agradou. Bishop critica a decoração e a falta de conforto. Alguém lhes conta que o secretário de Estado Foster Dulles, em recente visita, quase caíra da escada sem corrimão que conduz ao andar superior. Huxley já experimentara os perigos da notória ojeriza de Oscar Niemeyer pelos corrimões. Horas antes, escorregara na escada do hotel, e comentará que "é uma vergonha abandonar tão útil invenção" quanto o corrimão, conhecida há milhares de anos.
A comitiva foi conhecer a "Cidade Livre", a improvisada cidade de madeira onde verdadeiramente transcorria a ação - ali moravam as pessoas que trabalhavam na construção da cidade, e ali se estabeleceram, para servi-las, os mercados, os bares, as farmácias, as lojas. Os homens andavam de jeans, botas altas e chapéus de aba larga. O Brasil, onde, segundo observa Bishop, raras são as construções de madeira, surpreendia-se com o cenário de faroeste, mostrado nas fotos das revistas. Para a poeta, tratava-se da "velha e familiar cidade de fronteira da Merto-Goldwyn-Mayer". A comitiva foi informada de que, ao ser criada, no ano anterior, a Cidade Livre tinha 400 habitantes; agora tinha 45000. Possuía até cinema, e personagens improváveis. A comitiva conheceu uma delas - uma condessa polonesa, ninguém menos do que isso, jovem e bonita, refugiada de seu país e dona de um inglês impecável.
A condessa Tarnowska lhes serviu de cicerone e anfitriã na Cidade Livre. Ela era, justamente, a dona do cinema local. Disse que "amava" viver ali. E contou-lhes uma história que ocorrera em seu cinema pouco tempo antes, quando estava em cartaz o filme E Deus Criou a Mulher, com Brigitte Bardot. A projeção caminhava normalmente, até que, na mais esperada cena, no momento mesmo em que a Bardot desfazia o primeiro botão da roupa, parava. As luzes então se acendiam e o projetista avisava: "Queiram às senhoras e senhoritas, por favor, deixar a sala". As mulheres saíam e aglomeravam-se lá fora, na rua de terra, sem calçada. A projeção continuava só para os homens. Terminada a cena de nudez, parava de novo, e as senhoras e senhoritas eram avisadas de que estavam liberadas para voltar. Pudor era o que não faltava, na Brasília daquele tempo.
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