Leitores reclamam de editorial, mas o importante é que a opinião do jornal não contamine o noticiário
O editorial "Respeito à Anistia", de segunda-feira passada, provocou manifestações indignadas. O texto condenava a tentativa do Ministério Público Federal de denunciar o coronel da reserva Sebastião Curió por sequestro qualificado de membros da Guerrilha do Araguaia (1972-75).
A Folha chamou a iniciativa de uma "tentativa canhestra" de burlar a Lei da Anistia (1979), que prevê a não punição de crimes políticos cometidos durante a ditadura.
Leitores reclamaram da forma como o Ministério Público foi tratado ("raciocínio tortuoso") e alguns acusaram o jornal de querer esquecer o passado. "Canhestra, covarde e injustificável é a postura retrógrada ao tratar da corajosa iniciativa do Ministério Público Federal", escreveu o funcionário público Alexandre Zamboni Tebechrani, 40.
O contraponto veio já no dia seguinte, com o colunista Vladimir Safatle discordando do editorial ("Respeitar a Lei da Anistia?"). Dois dias antes, uma charge lúgubre do Angeli mostrava caveiras do Araguaia perguntando pelos parentes e Elio Gaspari traçava um perfil arrasador de ""Curió", o herói da ditadura".
Não dá para acusar a Folha de monolítica. Mas, em um jornal com tantos colunistas (mais de cem), os editoriais são "o" espaço nobre, no qual se eleva a voz oficial do jornal sobre o burburinho de opiniões.
Na quinta-feira passada, por exemplo, o editorial "Explicações devidas" dava uma resposta dura ao presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, que havia ameaçado o jornal com mais de 350 ações ("eu vou acionar e vou ganhar uma boa grana de vocês").
A fala de Sartori foi classificada de "destempero", "de clara índole intimidatória". Era a Folha dizendo não ter medo do Judiciário (leia texto abaixo).
Um bom editorial, recomenda o "Manual da Redação", é "enfático", "equilibrado", "informativo" e deve evitar o sarcasmo. Os temas são escolhidos pelo editor de Opinião, que discute a linha de argumentação com o diretor de Redação.
Na pesquisa dos assuntos, os editorialistas -oito jornalistas e dois economistas- ouvem especialistas. Às vezes, a opinião do jornal só é decidida depois dessa consulta.
A posição dos leitores é levada em consideração para "ajudar a definir a pauta e calibrar os termos e argumentos, mas não para orientar a opinião do jornal", explica Marcelo Leite, editor de Opinião.
O jornal pode mudar de posição, mas deve haver coerência histórica, como no caso da Anistia. A Folha tem defendido a criação da Comissão da Verdade, o acesso a todos os documentos históricos, mas sempre ressaltou a importância de respeitar a Anistia.
O importante, para o leitor, é que o editorial não contamine o noticiário. A "voz oficial" pode condenar a iniciativa dos procuradores, mas as reportagens precisam ser neutras, expondo os argumentos dos dois lados. Essa regra básica tem sido respeitada na Folha.
A MANCHETE DOS JUÍZES
O presidente do TJ-SP, Ivan Sartori, ficou irado com a manchete de terça-feira passada ("Corregedoria vai investigar todos os juízes do TJ-SP"), porque não estaria certo falar em "investigação", um termo que ele considera pejorativo -o mais preciso seria "inspecionar".
O problema maior não estava aí. O que não ficou claro é a abrangência da "inspeção" da Corregedoria. Em um mesmo dia, a corregedora Eliana Calmon conseguiu dar duas versões: em uma coletiva, ao lado de Sartori, disse que "é absolutamente impossível" investigar 354 desembargadores. Questionada depois por escrito pela Folha, disse que as inspeções abrangem todos os membros do tribunal. Tomou o cuidado de grifar o "todos".
Esse vaivém deveria acender uma luz amarela em quem cobre o Judiciário. É preciso redobrar os cuidados com as informações que vêm da caçadora dos "bandidos de toga".
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