VALOR ECONÔMICO - 06/03/12
Dilma e Temer conversaram antes de a presidente viajar para a Alemanha. Entenderam-se, como se entenderam em outras ocasiões em que o vice-presidente da República e seu partido, o PMDB, sentiram-se diminuídos, após alguma decisão de governo: está tudo bem até a próxima crise. A situação, no entanto, desta vez chegou a um ponto que deixou preocupada a presidente.
O pior, para Michel Temer, não foi ficar sabendo da nomeação do senador Marcelo Crivella (PRB) para o Ministério da Pesca por meio do despacho de alguma agência de notícias. O vice foi surpreendido em outras ocasiões e assimilou o golpe sem dificuldades. Agora ele recebeu a notícia, levada por um assessor, na frente do líder da bancada na Câmara, deputado Henrique Alves (RN), entre outras testemunhas.
Não é de hoje que Temer e Henrique são acusados, sobretudo pelos deputados, de só pensarem nos próprios interesses, em detrimento do partido e evidente vantagem para o PT: Temer quer ser candidato a reeleição na chapa de Dilma e Henrique, presidente da Câmara em 2013. A ameaça ao vice é o governador de Pernambuco e presidente do PSB, Eduardo Campos. O deputado Henrique fia-se num acordo firmado entre PMDB e PT de rodízio no comando da Câmara.
O PT afirma que cumprirá esse acordo, mas é certo que hoje considera um erro o entendimento feito antes das eleições de 2010. À época, a expectativa era que o PMDB elegeria a maior bancada da Câmara, o que não se confirmou, pois o PT saiu das urnas com o maior número de deputados (86 a 78 foi o placar).
Atualmente o PT se dá conta de que teria sido melhor para o partido inverter os termos do acordo: o PMDB presidiria a Câmara no primeiro biênio e o PT, no segundo. Do jeito que está, o PMDB comandará a Câmara em 2014, ano da sucessão presidencial, ideia que causa desconforto tanto no governo como na cúpula petista. Na realidade, o PMDB estará no comando do Legislativo, de vez que o acordo entre os deputados não inclui reciprocidade do Senado, onde os pemedebistas já mandaram dizer que não abrem mão da presidência.
Embora pareça cristalino que a decisão de levar Crivella para o governo é ajudar o PT na eleição de São Paulo, o fato é que a intervenção do ministro Gilberto Carvalho (Secretaria Geral) no Fórum Social Mundial deu urgência ao problema da relação do governo petista com as igrejas evangélicas. Por mais sofisticado que possa ter sido o raciocínio de Carvalho sobre a nova classe média, o que passou para a opinião pública é que o ex-chefe de gabinete de Lula e ministro de Dilma defendeu o "enfrentamento ideológico" do PT com as igrejas.
O problema é muito menos retirar da disputa pela prefeitura do candidato do PRB, Celso Russomano, e mais acalmar a "TV Record", a emissora de televisão controlada pelos evangélicos. O PT entende que a emissora adotava um comportamento visivelmente hostil a seu candidato a prefeito, Fernando Haddad. Em termos partidários, a candidatura do ex-ministro da Educação - que ainda patina nas pesquisa - precisa mais da ajuda do PR, que dispõe de mais tempo de televisão e rádio no horário eleitoral gratuito e já esteve aliado ao PT, do que do PRB. Além de tudo isso, avalia-se que a candidatura Russomano vai se desmilinguir, ao longo da campanha eleitoral.
Se não é inédito, é raro o fato de o Palácio do Planalto conduzir em sigilo uma operação como foi a nomeação de Marcelo Crivella para o Ministério da Pesca. Não foi apenas Temer que ficou sabendo pelas agências noticiosas, mas todo o PMDB acusou o golpe ao anunciar a divulgação de um manifesto, provavelmente hoje, no qual acusa o governo Dilma de privilegiar o PT nas eleições municipais. Causa impacto que 45 dos 76 deputados tenham assinado o documento, segundo seus organizadores.
O que intriga o Palácio do Planalto é que, na véspera, mais de 90% dos pemedebistas tenham votado favoravelmente ao projeto que muda o regime previdenciário dos servidores públicos. É um jogo antigo de um partido que sabe como poucos criar dificuldades para vender facilidades. Há as divisões internas de sempre da "federação" pemedebista, mas também posições estratégicas em estatais que trocaram de mãos no atual governo.
Embora o diagnóstico do PMDB seja mais ou menos de domínio público, o governo nunca tem uma ideia clara da extensão do problema, cada vez que ele se apresenta. É certo que a presidente pensou em fazer um roque no ministério, devolvendo ao PMDB o maior objeto do desejo do partido na Esplanada dos Ministérios: os Transportes. A ideia era deslocar o ministro Mendes Ribeiro (agricultura) e nomear o senador Blairo Maggi (PR-MT) para seu lugar.
Conta-se que o projeto parou no momento em que ficou claro para todos que o PMDB já estava indócil porque não manda no Ministério da Agricultura, pior seria quando o partido percebesse que também não mandaria no poderoso Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, o Dnit, sucessor do antigo e mal afamado DNER, órgão que concentra o grosso das obras e das verbas do ministério.
A conversa entre Dilma e Temer não foi fácil, mas pelo menos da parte do PT existe a expectativa de uma trégua. É bom para a presidente baixar a temperatura no Congresso. Como mostrou a votação do projeto de lei da aposentadoria dos servidores, há insatisfação em todos os partidos da base aliada - praticamente todo o PDT votou contra o projeto que estabelece o novo regime previdenciário. É uma insatisfação represada pela popularidade da presidente e os bons números da economia. O que sempre pode mudar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário