VALOR ECONÔMICO - 06/03/12
O sistema de metas inflacionárias tem características interessantes: 1) O poder incumbente eleito fixa a "meta" para a taxa de inflação. Reconhecendo as tecnicalidades e incertezas da tarefa, e a necessidade de preservá-la da influência da política partidária, escolhe para o comando do Banco Central, e submete ao Senado, nomes de técnicos independentes e competentes para atingi-la, atribuindo-lhes inamovibilidade com mandatos fixos; 2) Para cumpri-la, o Banco Central tem que construir sua credibilidade. Trabalhar não apenas para fazer a sociedade acreditar que pode fazê-lo, mas ancorar fortemente a "expectativa" da taxa de inflação com comportamento persistente e coerente; e 3) O Banco Central tem que criar relações de absoluta confiança com a sociedade, particularmente o seu setor produtivo (trabalhadores, industriais, banqueiros), com uma comunicação sem ruídos, total transparência e adequada prestação de contas ("accountability").
A entrega, pelo poder incumbente, eleito por milhões de votos, a um grupo de cidadãos sem representação direta, da responsabilidade de administrar um importante bem público (o valor da moeda) exige uma explicação convincente. Para construir uma ponte, atendendo à necessidade de quem o elegeu, o poder incumbente procura o melhor engenheiro especializado para projetá-la. É essa mesma exigência que justifica, pela especificidade da tarefa, a sua entrega a pessoas com um conhecimento adequado.
Mas há uma diferença. No caso da ponte existem conhecimentos físicos objetivos e materiais testados secularmente, que "garantem" que, em condições normais de pressão e temperatura ("ceteris paribus" = todo o resto igual), a ponte vai resistir à carga e servir por muitos anos. No caso da "garantia" do valor da moeda é diferente.
No sistema econômico, temos relações tênues entre o que se supõe causa e seu efeito. O tempo para uma causa produzir um efeito é variável e depende da circunstância que o cerca. Exatamente porque a complexidade do processo impede a existência de relações estáveis, o exercício da difícil arte de controlar o valor da moeda precisa ser entregue a profissionais que têm consciência de tais dificuldades e reconhecem os limites do seu conhecimento.
É uma grave ilusão supor que apenas a política monetária pode levar a um resultado satisfatório. Não apenas a teoria é precária, mas seu exercício envolve alguma bruxaria: adivinhar qual é a taxa de juro "neutra", qual é o "produto potencial", qual é a taxa de desemprego "natural" e, acima de tudo, "prever" a taxa de inflação. Basta olhar com atenção os resultados da recente pesquisa estimulada pelo Banco Central para senti-la.
As respostas não são completamente coerentes dentro dos modelos conhecidos. Olhando os gráficos, há sinais que eles parecem combinar "distribuições" produzidas por informantes com diferentes modelos e diferentes definições do objeto da estimativa. Sem o conhecimento de como essas foram produzidas, não há garantia que a mediana, a média e a moda façam sentido, da mesma forma que ocorre quando misturamos uma distribuição de pesos de laranja com outra de maçãs...
Nada disso sugere que não devamos levar a sério o sistema de metas inflacionárias. Quando a expectativa de inflação está bem ancorada, ele é um instrumento formidável para diminuir as tensões da distribuição da renda entre o trabalho e o capital. O seu exercício, entretanto, deve ser cuidadoso, como mostra o exemplo seguinte.
Lars Erik Oskar Svensson é um competente economista monetário sueco. É conhecido na academia e nos bancos centrais de todo o mundo como um dos mais importantes pesquisadores do sistema de metas inflacionárias. Desde 1990, Svensson foi assessor do Sveriges Riksbank, o banco central da Suécia, que há alguns anos utiliza o sistema. Em 2007, foi nomeado para a diretoria do banco para um mandato de seis anos e serviu por um ano como um dos seis membros do seu comitê executivo.
Ele acaba de publicar um artigo imperdível (Svensson, L. - "Practical Monetary Policy: Exemples from Sweden and the United States", NBER - WP. 17823, Feb. 2012) para mostrar o papel das "circunstâncias", isto é, das condicionalidades não explícitas, nas previsões que informam a política monetária. É um breviário contra a arrogância e a intolerância de alguns analistas.
No terceiro trimestre de 2010, os EUA e a Suécia estavam nas mesmas condições: 1) taxa de inflação abaixo da meta; e 2) taxa de desemprego maior que a natural. Tanto os EUA (com sua "meta" escondida, e agora anunciada) quanto a Suécia, que aplica o regime de metas, tinham de fazer a mesma coisa: reduzir a taxa de juros. Pois bem, os EUA fez o correto (baixou o juro, fez o QE2) e se deu mal. A Suécia fez o errado (elevou os juros) e se deu bem. Tudo por conta das "circunstâncias"...
Isso não é desculpa para fazermos o errado. A política monetária exige modéstia e cuidado e só funciona quando apoiada por uma robusta política fiscal. A nossa tem nos servido bem. O crescimento robusto sem pressões inflacionárias exige que enfrentemos corajosamente o desequilíbrio do mercado de trabalho e aceleremos a aprovação dos projetos de mudanças estruturais que estão dormindo no Congresso.
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