sexta-feira, março 23, 2012

O jogo de chantagens da ´base aliada´ - EDITORIAL O GLOBO


O GLOBO - 23/03/12



O esperado aconteceu e o Planalto foi derrotado quarta-feira, na Câmara, em várias frentes, numa evidente manobra de chantagem da "base aliada", para avisar à presidente Dilma dos perigos que corre na tentativa de conter o fisiologismo no relacionamento com os partidos.

O choque está anunciado há tempos, desde que, na reposição de ministros abatidos a golpes de escândalos, a presidente passou a demonstrar alguma preocupação com a qualidade de gestão e a lisura no manejo de orçamentos, algo inexistente nos oito anos de hegemonia lulopetista em Brasília. Tão hegemônico que Lula elegeu, com a força do nome, sua chefe da Casa Civil, neófita em palanques.

Por uma dessas trapaças da política, Dilma, por necessitar de um Ministério à altura das dificuldades econômicas que a cercam, e até, suponhamos, por estilo pessoal, decidiu pôr alguma ordem na casa. Pelo menos, tentar. Há oito anos acostumados ao estilo Lula de conversas fáceis sobre acertos fechados sem preocupações com limites financeiros do Tesouro, tampouco com a ética, os partidos da base parecem ter passado do estado de choque para o de rebelião.

A destituição do eterno Romero Jucá (PMDB-RR) do posto de líder do governo no Senado, ato contínuo à provocação feita por ele ao permitir a rejeição, em plenário, da recondução indicada por Dilma de Bernardo Figueiredo à diretoria-geral da Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT), elevou de patamar a crise política do desencontro entre Palácio e bases. Foi aproveitada a ocasião para a troca, no mesmo cargo na Câmara, de Cândido Vaccarezza por Arlindo Chinaglia, dois petistas de São Paulo, mudança, comenta-se, ao gosto da ministra Ideli Salvatti, das Relações Institucionais. Nem o PT se entende.

O troco contra Dilma foi de profissionais. Tem grande impacto impedir a votação da Lei da Copa - assunto de Estado e não só de governo -, ameaçar desfazer o bom acordo feito no Senado em torno do código florestal, aprovar em comissão projeto de emenda constitucional para subtrair do Executivo o poder de delimitar terras indígenas e de antigos quilombos e, ainda, permitir a convocação da ministra do Planejamento, Míriam Belchior, pela Comissão de Trabalho, para explicar cortes no Orçamento. Guido Mantega, ministro da Fazenda, também teve um "convite" aprovado como retaliação. Antes, a defenestração de Jucá teve imediata resposta, dada pela dupla que controla o Senado, Sarney e Renan, com a nomeação, em nome do PMDB, do senador rejeitado por Palácio para relator do Orçamento de 2013, um posto-chave.

Assim como os analistas políticos, Dilma não pode se considerar surpreendida pelas salvas de tiros que recebeu de volta, um fogo que nada tem de "amigo". Chinaglia e o substituto de Jucá, Eduardo Braga (PMDB-AM), têm muito trabalho a fazer, para impedir que o governo Dilma encalhe nos obstáculos que a "base aliada" saudosa do toma lá dá cá lulopetista começa a erguer no Congresso.

Este é um desses testes decisivos com que governantes se defrontam. Se Dilma Rousseff recuar, e logo na primeira grande batalha, abdicará de seu governo. O Brasil tem um regime presidencialista forte. Mas, para exercer o poder, o presidente precisa fazer política, não se fechar no alto da torre do Executivo. Dilma tem testes importantes pela frente.

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