sexta-feira, março 23, 2012

E a polícia? - LUIZ GARCIA


O Globo - 23/03/12


Os melhores momentos de ficção e realismo da televisão nos últimos tempos foram apresentados pelo "Fantástico" de domingo.

A ficção esteve a cargo do repórter da TV que vestiu a pele de administrador de um hospital federal; o realismo correu por conta dos representantes de quatro empresas que prestam serviços a hospitais federais.

Os empresários — e é bom não esquecer os nomes das firmas: Locanty, Toesa, Rufolo e Bella Vista — negociaram, com a tranquilidade de quem faz isso o tempo todo, o pagamento de propina para ganhar licitações para a venda de refeições e outros serviços.

Não é pouco dinheiro. A Bella Vista, por exemplo, recebe R$ 1 milhão para fornecer duas mil refeições por mês ao Hospital do Andaraí. O seu representante na reunião propôs aumentar um real por refeição para pagar o suborno ao suposto funcionário do hospital. É dinheiro que não acaba mais.

A reportagem do "Fantástico" — certamente um belo momento do jornalismo denunciativo — produziu resultados óbvios. A prefeitura do Rio e o governo estadual já correram atrás do prejuízo.

Que não é pequeno. Na área municipal, os contratos com a Locanty somam mais de R$ 6 milhões. Com a Bella Vista, o total é de mais de R$ 14 milhões.

E o governo estadual gasta cerca de R$ 80 milhões por ano com três das empresas.

O cancelamento dos contratos é inevitável e já foi anunciado. Mas nenhuma autoridade federal, estadual ou municipal até agora — possivelmente porque o pessoal ainda não se refez da surpresa — sequer tentou explicar a inexistência de medidas óbvias que garantissem a honestidade dos fornecedores.

A presidente Dilma teve a reação óbvia de exigir providências concretas nas fraudes em concorrências. Por aqui, o governo estadual e a prefeitura anunciaram estudos para encontrar uma forma de cancelar os contratos sem prejudicar os serviços. No Congresso, a oposição começou a colher assinaturas para a abertura de uma CPI que investigue fraudes em licitações na área de saúde pública, mas a iniciativa pode não ir adiante, porque a bancada governista é contra: alega que o governo já está fazendo tudo que é necessário. É um argumento capenga: as autoridades com certeza não vão investigar a tranquilidade com que os empresários achavam que suas ofertas de suborno seriam aceitas por seus interlocutores.

Pelo menos até ontem, aqui no Rio ninguém falou em chamar a polícia.

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