terça-feira, março 20, 2012

Jogo dos números - REGINA ALVAREZ

O GLOBO - 20/03/12


Desde o começo do ano passado, a equipe econômica exibe o figurino do ajuste fiscal como grande contribuição ao esforço para reduzir os juros sem pressionar a inflação. Ao longo de 2011, o governo bateu bumbo sobre o corte de R$ 50 bilhões nas despesas, mas olhando os números por dentro a história é diferente e tudo indica que vai se repetir este ano. Quem está pagando a conta do ajuste é o contribuinte.
Muito já foi falado sobre as contas de 2011, mas um estudo recém concluído do Núcleo de Assuntos Econômico-Fiscais da Consultoria de Orçamento da Câmara mostra com mais clareza os caminhos que o governo trilhou para fazer um superávit primário mais robusto, cumprindo a meta cheia para o setor público, de 3,1% do PIB.
O esforço ninguém questiona, o problema é a qualidade ruim do ajuste, que afetou os investimentos, mas não foi capaz de conter as despesas correntes. O aumento do superávit foi conseguido às custas do crescimento da arrecadação federal.
Não é de hoje que o governo faz um jogo de faz de conta com o Congresso na elaboração e na execução do Orça-mento. Em 2011, o jogo foi mais pesado e originou a crise atual com a base aliada. Primeiro, a equipe econômica enviou ao Congresso uma proposta de Orçamento prevendo um desconto de R$ 32 bilhões em despesas do PAC da meta de superávit.
Depois, decidiu fazer a meta cheia, sem descontar essas despesas, e anunciou o corte de gastos de R$ 50 bilhões para acomodar os investimentos do programa e corrigir o que seria uma estimativa irreal das receitas, feita pelo Congresso.
O que aconteceu de fato? O corte efetivo foi menor do que o anunciado, ficando em R$ 39,3 bilhões, mas atingiu em cheio os investimentos incluídos no Orça-mento por meio de emendas dos parlamentares. E nem o PAC escapou da tesoura, pois dos R$ 26,7 bilhões previstos só R$ 19,9 bilhões foram executados.
Despesas obrigatórias que o governo prometera reduzir com esforço de fiscalização cresceram bem acima do esperado, com destaque para os benefícios previdenciários e assistenciais. Os gastos com pessoal caíram R$ 1,5 bilhão, mas o governo prometera redução de R$ 3,5 bilhões. No fim das contas, o que permitiu alcançar a meta cheia de superávit foi mesmo o aumento da arrecadação, que ultrapassou em R$ 21 bilhões a estimativa do governo e em R$ 2,9 bilhões a previsão do Congresso, aquela que a equipe econômica considerava irreal.
Gargalos
A propósito de comentário de leitor sobre o fato de o quadro com evolução dos investimentos públicos desde a década de 70 - publicado neste espaço - não considerar privatizações na área de infraestrutura, o economista Raul Velloso explica:
-Não se considera investimentos de estatais, a parte que foi privatizada incluindo setor elétrico. Só investimentos de administrações centrais, onde o item de maior peso é transportes e onde estão as maiores carências.
O estado lastimável de muitas rodovias, as filas nos portos e o congestionamento nos aeroportos são evidências dos gargalos que persistem nessa área, destaca:
-O modelo de crescimento de gastos correntes não deixa espaço para investimentos, mesmo com a forte alta da carga tributária. Isso aumenta o custo Brasil e explica, em parte, por que a indústria está penando tanto para sobreviver.
Em comum
O Chile cresceu bem mais que o Brasil em 2011: 6% contra os nossos 2,7%. Ainda assim, há pontos em comum entre as duas economias. A indústria chilena está sofrendo com a importação e a valorização da moeda, e o crescimento do país sustenta-se pela exportação de commodities e pelo consumo interno. O dólar perdeu 7,2% em relação ao peso este ano, bem mais que a desvalorização sobre o real, de 3,8% até sexta-feira. Mas o preço do cobre subiu 20% no quarto trimestre, aumento expressivo porque a exportação do metal representa 25% do PIB chileno. Isso fez a economia crescer mais que o esperado e despertou dúvidas sobre a continuidade do corte de juros no país.
ROBIN HOOD: A referência ao legendário herói inglês que roubava dos ricos para distribuir aos pobres saiu com erro de grafia em dois títulos da coluna de sábado, mas o propósito do estudo da economista Teresa Ter Minassian, do BID, de redistribuição mais justa e equânime dos recursos da União repassados aos estados está valendo.

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