FOLHA DE SP - 31/03/12
Quando um órgão do Judiciário investiga outro, ele não atua como segmento da polícia
HERMENÊUTICA é a arte-ciência da interpretação e compreensão de palavras e fatos. Seu exercício compõe tarefa difícil, mas imprescindível para o direito. A tarefa envolve a compreensão de vocábulos de conteúdo jurídico, em país cuja Constituição tem o português como idioma nacional (art. 13). Tomo o exemplo atualíssimo do verbo investigar e do substantivo investigação, em face de providências do Conselho Nacional de Justiça referentes ao Judiciário.
O primeiro exercício de hermenêutica corresponde à valoração das palavras tomadas individualmente. O dicionário "Aurélio" situa o investigar como a tarefa de achar, pesquisar, indagar, inquirir as causas de um fato. No "Houaiss", é procura metódica e consciente para descobrir algo. A origem das palavras também ajuda a compreensão, conforme se colhe no "Dicionário Etimológico" de José Pedro Machado: desde o século dezesseis investigar vem do latim "investigatione", enquanto busca atenta, confirmada no "Dicionário de Morais".
O intérprete também pode apoiar-se em outros idiomas latinos. Refiro o exemplo italiano, no "Vocabolario" de Nicola Zingarelli, em tradução literal. Ali "investigare" consiste em procurar, examinar ou indagar com cuidado e atenção. A finalidade daquele que investiga é a mais variada possível, desde as ciências físicas até o trabalho policial.
Em língua francesa, o "Petit Robert" define "investigation" como busca essencial e sistemática sobre qualquer objeto, exemplificando com a averiguação policial, a do fisco, do jornalismo investigativo e da investigação científica. A língua espanhola mantém a mesma linha no "Diccionario Del Español Moderno" de Martin Alonso: investigar é diligenciar para descobrir uma coisa.
Quando um órgão do Judiciário investiga outro, não atua como segmento da polícia. Qualquer que seja o método de busca, a conclusão se mantém, sem que o termo investigação assuma conteúdo depreciativo ou policialesco em face da pessoa investigada.
Basta ver a diferença das acepções técnicas, em português, quando se pensa no resultado ou nos métodos seguidos por aquele que investiga. Para De Plácido e Silva o investigador indaga com cuidado, segue o rastro, perscruta indícios relativos a fatos, tanto que no direito penal é o procedimento técnico composto pelo inquérito. Maria Helena Diniz lembra em seu dicionário jurídico que a investigação pode ser científica, administrativa, criminal e até psicológica. Claro que também se destina a apuração de delitos, podendo corresponder até a uma devassa, quando confirmada a ilicitude de conduta coletiva.
Trazendo exemplo de idioma não latino cabe ler o "Black's Law Dic-tionary". Editado desde 1891, inclui "investigation" no rol de ações destinadas (em tradução livre) à finalidade de seguir, "passo a passo, paciente trabalho de averiguação ou observação".
Ninguém está livre de ser investigado. Os fatos podem ser ou não ser relacionados com o crime, seja o investigador policial, cientista ou jornalista. Na situação que caminha para ser definida no Tribunal de Justiça de São Paulo, a investigação confirmará ou negará a legalidade de fatos econômicos. Aberta ao conhecimento de todos, mais que punir culpados, cumprirá o dever essencial de isentar os inocentes.
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