sábado, março 31, 2012
Falta de foco - CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 31/03/12
A julgar pelas informações disponíveis, além da foto convencional para os arquivos, a quarta reunião de cúpula dos chefes de Estado dos Brics, realizada na quinta-feira, em Nova Délhi, Índia, pouco produziu.
Terminou com longo "trololó" de 9 laudas, 50 parágrafos e uma agenda de 17 pontos, que apontam para o irrelevante. A rigor, todas as declarações ali alinhavadas poderiam ser assinadas por qualquer ser humano de boa vontade. Quem, por acaso, poderia ser contra a paz mundial; a cooperação entre os povos; o sucesso da repetidamente adiada Rodada Doha de negociações comerciais; uma solução para o conflito árabe-israelense; e o desenvolvimento sustentável dos povos, especialmente da África?
Em compensação, questões externas de que o governo Dilma vem se queixando todos os dias ficaram de fora. Na semana passada, por exemplo, o governo brasileiro tentou arrancar na Organização Mundial do Comércio a condenação do uso do câmbio para alijar o concorrente. Não dá para esconder que um dos principais alvos do Brasil dessa escaramuça é a China. Pois, em nenhum momento foi mencionada no documento de Nova Délhi a expressão guerra cambial - cunhada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, que denuncia intervencionismo cambial de grandes potências, inclusive da China, com intenção de tirar competitividade do setor produtivo dos emergentes.
Claro, os dirigentes dos Brics lamentam "a excessiva liquidez internacional" (o tal tsunami financeiro de que se queixa a presidente Dilma), mas nada propõem para substituir as emissões de moeda pelos grandes bancos centrais, feitas com o objetivo de conter a crise e criar mercado para os títulos públicos.
Bric nem sigla é. Não passa de acróstico formado pelas iniciais de quatro países (Brasil, Rússia, Índia e China) que o analista Jim O'Neill, do Goldman Sachs, cunhou em 2001, para apontar emergentes com mais potencial econômico (e político). Mais tarde, foi agregado o S de South Africa (África do Sul).
Embora detenham em conjunto cerca de 50% da população e 20% do PIB globais, os Brics acumulam mais divergências do que convergências estratégicas. Brasil, Rússia e Índia, por exemplo, tendem a favorecer o estabelecimento de sistema multipolar centrado na Organização das Nações Unidas. A China, por sua vez, parece preferir um jogo bipolar, por meio do qual possa comer devagarzinho parcelas da influência já decadente dos Estados Unidos.
Em termos práticos, os dirigentes dos Brics não conseguiram nem sequer definir uma atuação comum para aumentar o capital do Fundo Monetário Internacional. A proposta de criar novo banco internacional de desenvolvimento que pudesse superar limitações do Banco Mundial também parece ter avançado pouco.
Apesar de tudo, não dá para desclassificar os Brics como mera fantasia. Seja o que acontecer, aí estão cinco potências que terão peso crescente nos esforços que se farão nos próximos 20 anos para redesenhar a arquitetura de riqueza e de poder que prevalecerá no futuro.
Mas, até lá, os Brics terão de aprender a ser mais objetivos na coordenação de políticas, se é que pretendem ser mais do que um agrupamento de letras.
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