REVISTA ÉPOCA
A coordenação política depende de três coisas. Primeiro, da conversa cotidiana com os aliados, procurando atender ao que for possível e estabelecendo alarmes de incêndio contra descontentamentos. Segundo, o presidencialismo brasileiro baseia-se na distribuição de verbas e, sobretudo, cargos, conforme o peso e a lealdade dos partidos situacionistas, portanto é fundamental evitar desequilíbrios entre as legendas. Por fim, é preciso fazer com que os apoiadores se sintam membros efetivos do governo.
Esses três elementos estão desequilibrados na coalizão de apoio a Dilma. Os governistas e seus líderes partidários não sabem quem são, de fato, os porta-vozes do Palácio do Planalto no Congresso. A mudança de liderança em ambas as casas pode ajudar, mas os sinais ainda são vagos. A impressão é que vigora uma conversa de surdos entre o Executivo e sua base. Cabe reforçar, aqui, que Dilma pode – deve até – aumentar a interlocução direta com os partidos. Mas não pode fazer apenas isso. Alguém reconhecido como sua "voz" precisa ter maior autonomia para articular as posições do governo no Legislativo.
A distribuição dos instrumentos de poder também está, na visão de parte da base aliada, desequilibrada. Não é fácil agradar a tantos partidos de apoio, mas é sintomático que quase todas as legendas situacionistas estejam descontentes. Em primeiro plano, é preciso compartilhar o poder mais com o PMDB. Trata-se de uma tarefa difícil para quem quer "blindar" os ministérios de maus costumes políticos. A solução não é não dar postos aos peemedebistas, mas encontrar aqueles mais adequados ao modelo de ministro almejado pela presidente. Não é fácil. Porém, é essencial trilhar esse tortuoso caminho.
Fazer os aliados se sentir governistas plenos é outra tarefa inescapável para garantir a governabilidade tranquila. É bem verdade que Dilma tem viajado pelo país elogiando seus mais diversos apoiadores e compartilhando sua popularidade. Mas o contexto da eleição municipal envenena os arranjos multipartidários. FHC já sentiu isso no pleito de 2000. Lula passou pela crise do mensalão, logo após uma briga entre partidos governistas em torno do financiamento da campanha local de 2004. A presente conjuntura é um convite à cizânia na coalizão.
Não é fácil para Dilma agradar a tantos partidos de apoio. A oportunidade está na agenda legislativa
Sem ignorar a limitação eleitoral, Dilma pode aumentar o sentimento de pertencer ao governo compartilhando os resultados das políticas governamentais. O bom desempenho econômico é um desses pontos, mas o cenário externo pode reduzir o impacto eleitoral dessa variável. O bem-estar social é um instrumento mais poderoso e seguro. Só que ele aparece como algo já dado. Os atuais congressistas teriam dificuldade para ganhar benefícios políticos mais palpáveis do combate à desigualdade, que continuarão a apoiar, mas que não contribuirá para suas ambições eleitorais. A melhoria da infraestrutura e a redução na carga tributária serão igualmente apoiadas, mas, novamente, não trarão um novo élan à base governista. E os assuntos que dominam a atual agenda do Congresso não são bandeiras poderosas para o cálculo eleitoral. A reforma previdenciária, a Lei Geral da Copa e o Código Florestal não geram bons slogans.
Ter uma agenda legislativa que desperte o interesse dos deputados e senadores é uma peça-chave da estratégia que o Executivo deve adotar para conseguir apoio do Congresso. Olhando a pauta hoje nas duas Casas, há poucos assuntos com esse potencial. Muitos têm mais chance de gerar estrago. Entre eles, um bloco se formou envolvendo questões como os royalties do pré-sal, o ICMS, a fixação de patamares mínimos de gastos em políticas públicas e a revisão do Fundo de Participação dos Estados (FPE). Pior que não ter uma agenda positiva, seria deixar tomar corpo projetos que ampliam o conflito político.
Contra a interpretação corrente, é possível enxergar nessa questão uma janela de oportunidade para transformar problemas em solução, para o maior entrosamento do time governista. É preciso, ao mesmo tempo, aumentar os recursos à disposição de Estados e municípios, fazendo com que eles consigam atuar em prol de objetivos do governo federal, como elevar o investimento público, reduzir a carga tributária e incrementar o gasto social.
É possível renegociar as dívidas estaduais, levando os governadores a usar os "novos recursos" exclusivamente para investimentos – e proibindo-os de gastar esse dinheiro com despesas correntes não financeiras. Também é possível acoplar a revisão do FPE e dos royalties do pré-sal ao uso obrigatório de tais recursos com Educação, Saúde e Ciência e Tecnologia. Na questão mais complicada, a revisão do ICMS, o objetivo é encontrar um caminho para reduzir os encargos sobre a economia local e, concomitantemente, abrir espaço para investimentos federais nos Estados prejudicados com a transição.
Claro que a equação não é trivial. Mas deixar rolar esse conjunto de questões sem procurar um denominador comum é temerário. Não ter uma agenda positiva no Congresso é ruim para a governabilidade, deixando-a dependente das barganhas mais imediatas. A presidente Dilma precisa ter um conjunto de causas legislativas que evite que ela fique refém do dia a dia e das surpresas da política.
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