O Globo - 07/03/12
O pedido de desculpas do secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, ao governo brasileiro, atribuindo a uma tradução incorreta a expressão com que cobrou mais dedicação na preparação da Copa do Mundo, repõe no caminho da civilidade o debate sobre a organização do evento que, em 2014, atrairá os olhos do mundo para o país. Mas não esconde a evidência de que há profundas, e espera-se que contornáveis, dissonâncias nos discursos das duas partes diretamente envolvidas na realização da mais importante competição do futebol mundial.
Traduções à parte, Valcke expressou uma compreensível preocupação com o empenho do Brasil em relação aos compromissos assumidos ao se candidatar à sede do Mundial. O ritmo das inversões - urbanísticas e de infraestrutura - necessárias para deixar o país pronto para a Copa, daqui a dois anos, não tem dado margem a otimismo. Embora o cronograma de construções e/ou reformas de estádios esteja aparentemente em dia, com atrasos apenas no Beira-Rio (RS) e na Arena da Baixada (PR), há indisfarçáveis deficiências nas áreas de mobilidade urbana, hotelaria, infraestrutura, transportes e aeroportos, fundamentais para o sucesso do evento. E mesmo na questão legal.
No Rio e em outras cidades, por exemplo, a capacidade hoteleira é inferior à demanda esperada de delegações e turistas, e a perspectiva, ao menos dentro do quadro atual de intervenções, é pessimista em relação às necessidades para 2014. Pressões da base governista em Brasília, de tom estatista, impediram a adoção de cruciais medidas de modernização dos aeroportos, um dos maiores gargalos da preparação para a Copa. Mesmo a recente licitação que abriu a entrada da iniciativa privada na administração de três terminais é providência tímida em face das enormes necessidades de ajustes nessa área. No plano legal, é lenta no Congresso a tramitação da Lei Geral da Copa, essencial para a adaptação da legislação brasileira a exigências do caderno de encargos da Fifa.
Às críticas a essas demonstrações de leniência e de pouca dedicação aos compromissos assumidos o governo brasileiro tem respondido com mais bravatas nacionalistas do que com ações concretas. A Fifa está no seu papel de exigir dos parceiros eficiência na organização de um evento que movimenta interesses transnacionais para além da competição esportiva em si. Se seu secretário-geral recorreu ou não à linguagem mais apropriada às arquibancadas para cobrar trabalho do poder público do país, esta é uma questão que se resolve no plano da diplomacia entre as partes. Mas o Brasil, além de não ter de responder no mesmo tom, não pode ficar fazendo o papel de quem entrou desavisadamente na história.
Quando a candidatura do país à sede da Copa foi apresentada, as autoridades brasileiras tinham plena consciência das exigências da Fifa. O poder público comprometeu-se com um caderno de encargos no qual explicitamente se inscrevem os compromissos a serem assumidos, e em que áreas. O Mundial não foi imposto ao país; ao contrário, a chance de promovê-lo mobilizou toda a sociedade, que, com justo orgulho, comemorou a indicação - e espera, em 2014, vibrar não só com a vitória final da seleção em campo, mas, fora dele, com um evento capaz de encher os olhos do planeta.
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