FOLHA DE SP - 17/02/12
SÃO PAULO - Chegou ao fim o julgamento de Lindemberg Alves Fernandes pelo tribunal do júri. Será que não é a hora de pôr um fim ao próprio tribunal do júri, isto é, à ideia de que certos crimes devem ser julgados por um grupo de cidadãos sem treinamento jurídico?
Numa visão romantizada, o júri representaria um controle democrático sobre o Estado. O simples fato de o veredicto estar a cargo de populares e não de magistrados já representaria um obstáculo às tendências despóticas do Judiciário, como observa Alexander Hamilton nos papéis federalistas. Os jurados também detêm o poder de não aplicar leis que considerem injustas, exercendo assim uma regulação sobre o Legislativo.
No mundo real, porém, notadamente em países como o Brasil, onde o júri é um resquício fóssil, esse controle é menos do que teórico. Pior, cientistas reuniram nas últimas décadas um corpo notável de evidências de que o ser humano é muito mais facilmente manipulável do que imaginávamos. Ideologia, emoções e até detalhes como o nível de açúcar no sangue do julgador influenciam suas decisões.
Os vieses cognitivos afetam tanto jurados como juízes profissionais, mas estes, por acumularem mais experiência e terem de justificar racionalmente suas decisões, estariam, em tese, mais preparados para resistir aos truques usados por promotores e defensores.
O instituto do júri ganhou força na Europa no século 13, depois que a Igreja Católica decidiu pôr um fim aos ordálios, nos quais se estabelecia a culpa do acusado submetendo-o a provas como segurar um ferro em brasa. Se, três dias depois, não houvesse cicatrizes, ele estava livre.
O pressuposto era o de que Deus protegia os inocentes.
Eu me pergunto se nossos netos não olharão para o júri com o mesmo sorriso irônico que hoje esboçamos ao ler sobre o ordálio.
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