No dia 26 de fevereiro, em Los Angeles, se Carlinhos Brown, 49, ganhar o Oscar de melhor canção original, ele já sabe o que vai dizer.
O baiano, nascido Antônio Carlos Freitas, falará às crianças caso a música "Real in Rio", que fez com Sérgio Mendes para o longa "Rio", leve o troféu.
"Vou pedir que elas não desistam dos sonhos. E que isso seja feito na base da disciplina e do respeito aos pais. Porque o conhecimento não está nos ídolos. Ídolo não cuida de ninguém, cuida de suas carreiras e de seus desejos. Escutem seus pais!", diz à repórter Lígia Mesquita.
As chances de fazer esse discurso são grandes. A canção dele e de Mendes enfrenta apenas uma concorrente, a do filme "Os Muppets".
Com a barriga sarada exibida com um colete preto curto, jeans vermelho e sandálias de couro, Brown ensaia com a Timbalada em seu estúdio Candyall Guetho Square, no bairro do Candeal, em Salvador, na última segunda-feira. O grupo, criado por ele no fim dos anos 80, vai gravar um DVD.
Sua figurinista há 12 anos, Val Kaveski, diz que "precisa conversar sobre a roupa do Oscar". "A única coisa que ele me pede é para ficar elegante. Deverá ser um smoking." Ela entrega que o músico é vaidoso e cuida bem do corpo. "Nesse tempo que trabalhamos juntos ele mantém as mesmas medidas."
"Meu interesse sempre foi mais social que ser reconhecido. Reconhecimento é chegar em casa e ganhar um beijo da minha filha", diz ele.
Madalena Freitas, mãe de Brown, comanda um restaurante no Guetho Square. "Agora, sou a mãe do Oscar!", conta, de avental e touca.
Ela lembra que desde pequeno ele demonstrava talento para a música. "Ele tocava em baldes, latas." E que se preocupou muito quando Brown, o mais velho dos nove filhos da ex-lavadeira e de um pintor, optou pela carreira artística. "Tinha medo por ele ser pobre e negro."
Brown aprendeu a ler com 12 anos e estudou só até a terceira série. Começou a trabalhar aos sete anos "carregando água" para ajudar a mãe. Aos 16 anos, "vi que dava pra música" e largou o trabalho. "Limpava cocô no BNDES, era faxineiro. Um dia me irritei, não me pagaram hora extra e fui embora. Comecei a tocar num bar e não parei."
O cantor afirma não ligar para as manifestações de racismo. "Deixo isso com o outro. Nessas horas apelamos para a elegância." Ele acredita que a discriminação racial diminuirá no Brasil. "O rico tá ficando pobre. Uma coisa são os preconceituosos que ainda são ricos e não aprenderam a viver com pouco, então acreditam muito na inferioridade. Por isso machucam quem tem menos ou quem tem uma aparência que sugere inferioridade."
Ele deixa o Guetho para mostrar a sede da ONG Pracatum, na mesma rua. Para e cumprimenta todas as pessoas. "Ô, Marcelo, você cresceu! Virou taxista? Tô velho", diz para um jovem.
"Nunca foi do meu interesse explorar essa imagem do ativista social. Não me agrada transformar ajudas humanitárias em 'We Are the World', em hits populares. Tô mais atrás da ação."
E é o desejo de "atuar no coletivo" que faz com que ele não mude para o exterior. "Esse caminho seria individual." E afirma: "Quero ser Brasil. Não quero ser Rolling Stones. Quero ser Carlinhos Brown com meus erros, com meu tambor desafinado".
Confiante no bom momento do país, afirma que "claro!", votou em Dilma Rousseff. "Sempre sonhei com uma mulher na Presidência. Fui criado pelo matriarcado. E mulher mandando é ma-ra-vi-lho-so!"
Na noite anterior, o cantor fez o show Sarau du Brown, no Museu du Ritmo. Recebeu os convidados Flávio Renegado, Zeca Baleiro, Tuca Fernandes e Thais Gulin, namorada de Chico Buarque, seu ex-sogro. "Ele me ensinou a fazer um acorde de violão de sétima", diz. E avisa: "Não falo de vida pessoal".
Brown foi casado com Helena Buarque, filha do compositor com Marieta Severo. Tiveram quatro filhos: Francisco, 15, Clara, 12, Cecília, 4, e Leila, 2. Ele também é pai de Miguel, 14, e Nina, 21, de outros relacionamentos.
Os garotos estão no camarim. Se preparam para subir ao palco com o pai. Miguel toca bateria e tem uma banda, a Memorise. Francisco diz que fez aulas de guitarra. "Piano aprendi sozinho, de ouvido, na casa da minha avó [Marieta]." Os dois pensam em ser músicos profissionais. "É o que eu sei fazer melhor", diz o mais velho.
No palco, o músico agradece várias vezes a seus patrocinadores. E sua cara enfeita boneco inflável com o logo de um banco e a latinha de uma marca de biscoito. "Não dá pra fazer música sem patrocinadores. São eles que estão me fazendo ir pra avenida no Carnaval. Porque [meu trio] não tem abadá, não tem corda", diz. Também faz uso da Lei Rouanet. "Não pode se cobrar de uma cultura que ela não tenha apoio."
Logo após o Carnaval começa a finalizar mais um disco, "Mixturação". E tem planos de fazer algo com os Tribalistas, seu projeto com Marisa Monte e Arnaldo Antunes, que completa dez anos em 2012. Um segundo disco, "só se a inspiração mandar".
"Seria salutar a gente se organizar e apresentar algo. Tem tanta coisas linda que a gente fez nesse tempo no disco um do outro. E se a gente registrasse pra uma festa? Acho que o público merece."
Os três se encontram frequentemente "onde o destino quiser". Marisa e Arnaldo, afirma, são seus melhores amigos. "São pessoas a quem a gente conta tudo. Somos psicólogos um do outro."
Dona Madalena, que temia pelo começo de carreira do filho, hoje tem "muito orgulho" das letras que o primogênito fez. Como "Magamalabares", famosa na voz de Marisa. "É lindo quem escreve 'Quem tem Deus como império, no mundo não está sozinho', né?"
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