O ESTADÃO - 05/02/12
No próximo mês a estabilidade da economia completa maioridade.
Há 18 anos o ex-presidente Itamar Franco e seu ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, criaram a Unidade Real de Valor (URV), uma moeda escritural de transição que deu origem ao real e liquidou com a inflação no Brasil. A geração de brasileiros que completam 18 anos este ano não conheceu os sofrimentos cotidianos de viver com preços subindo a cada minuto e a moeda desmoralizada, demolida a cada dia. O ex-ministro Mario Henrique Simonsen chamou a URV de a mais genial invenção econômica que conheceu; economistas do mundo inteiro cumprimentaram Pérsio Arida e André Lara Resende por sua criativa e inovadora arquitetura.
A URV foi o começo de uma longa viagem de muitos caminhos, a construção de um novo paradigma de desenvolvimento ancorado por uma política econômica bem-sucedida, que atravessou quatro governos - Itamar, FHC, Lula e Dilma - e segue em construção. O ex-presidente Lula teve o mérito e o bom senso de segui-la e rejeitar o caminho da ruptura que pregara no passado. Dilma Rousseff continua a viagem, que vem dando certo: pôs o Brasil na posição de sexta economia do mundo e seu povo,a subir degraus na escala do bem-estar.
As mudanças que cada governante introduziu foram feitas em continuidade ao modelo, por acumulação, nunca por ruptura. Como em muitas outras experiências de sucesso na história econômica da humanidade.
Por isso não passam de ridículas as frases feitas de Lula do tipo nunca antes na história deste país.
Ao reconhecer o papel "decisivo" de FHC na estabilidade econômica junto como "afetuoso abraço" que enviou em carta pelos seus 80 anos, Dilma parecia disposta a acabar com a pequenez do rancor, iniciar uma relação civilizada e justa com quem fez o real, a romper com os rompantes de criador da Pátria de Lula e aceitar que a História é construída ao longo do tempo e ultrapassa gerações e mandatos de governantes.
Mas a presidente tem dado para trás, tem usado a crise econômica dos países ricos para glorificar seu governo e criar para o Brasil um carimbo de "diferente", o que o teria livrado dos efeitos da crise. "O Brasil é diferente, nosso modelo é diferente dos outros modelos", discursou para uma plateia em Salvador, na segunda-feira. É também o que tem repetido em fóruns internacionais, com ar de quem ensina algo inédito: a crise deve ser combatida com crescimento, como Estado injetando dinheiro na economia para estimular a demanda.
Além de não haver nenhuma novidade, seu conselho não faz do Brasil um país "diferente", por exemplo, das economias latino- americanas que têm crescido até mais do que nós. Quem concebeu a teoria de injetar dinheiro público na economia para estimular crescimento foi o economista inglês John Maynard Keynes.
Sua fórmula foi largamente aplicada por países capitalistas no período pós-2.ª Guerra Mundial até os anos 60. Ele aconselhava o gasto público, mas com equilíbrio fiscal e limites ao endividamento dos países. Em 2008 Lula aplicou a fórmula keynesiana, a economia se recuperou e saiu da crise.
Animada, Dilma passou a receitar o remédio para os países europeus. Só que agora o quadro é diferente dos anos 60. Se então havia dinheiro público disponível no mundo, em 2008 os governos da Europa e dos EUA esvaziaram os cofres e multiplicaram suas dívidas no socorro a bancos quebrados. Se agora eles não usam o Estado para retomar o crescimento, não é por que não querem, é porque não podem. Como escreveu André Lara Resende em recente artigo publicado no Valor Econômico: "É bem possível que hoje, 80 anos depois, o remédio keynesiano não possa mais ser aplicado". E a disciplina fiscal- que deu à Lula e Dilma folga de dinheiro para injetar na economia - começou a ser construída no governo FHC, com a imposição de limites de gastos e de endividamento à União, Estados e municípios e a criação da Lei de Responsabilidade Fiscal. O mérito deles foi dar continuidade.
A estabilidade da economia chega à maioridade, mas ainda falta maturidade nos governantes.
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