sexta-feira, fevereiro 10, 2012
Escondidinho verde - DENISE ROTHENBURG
Correio Braziliense - 10/02/12
Ou o documento da Rio%2b20 trata de forma mais incisiva e clara temas como economia verde e combate à pobreza, ou o que vai sair da conferência será uma iguaria sem recheio e sem consequências
O "escondidinho", seja de charque, de camarão, de bacalhau, ou de filé mignon, é uma iguaria que você só deve comer em restaurantes confiáveis. A receita é simples: coloca-se o recheio sob um purê de mandioca, gratinado com queijo coalho. Mas, se o lugar não for bastante honesto, a comida deixará a desejar. Vem pouco camarão, a carne não é filé, o charque fica tão desfiado que mal se percebe que ele está ali. Pois bem, o que isso tem a ver com o assunto que trataremos aqui? Tudo.
A Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, começa a causar suspeitas de que, se algo não for feito logo, a reunião não produzirá uma iguaria à altura da reputação que pretendia ter. Basta ver o documento produzido pela ONU para a largada das discussões. O "draft zero", ou "rascunho zero", fala em economia verde de forma genérica, sem metas, sem cobrar responsabilidades dos países. Enfim, deixa que cada um trate desse tema ou interprete essa economia a seu bel-prazer. Ou seja, cada país faça o seu escondidinho, sem compromisso com a qualidade do que está sob o guarda-chuva "economia verde".
"Reiteramos que economia verde não tem a intenção de ser um conjunto de regras rígidas, mas uma estrutura de tomadas de decisões para fomentar a consideração integrada dos três pilares de desenvolvimento sustentável em todos os domínios relevantes da tomada de decisões públicas e privadas", diz o texto da ONU. "Reconhecemos que cada país, respeitando as realidades específicas de desenvolvimento econômico, social e ambiental, assim como condições e prioridades particulares, fará as escolhas apropriadas", emenda o documento logo em seguida.
Quem tiver o cuidado de ler as 21 páginas do texto, como fizeram 22 ministros do governo Dilma Rousseff, parlamentares e representantes da sociedade civil, sairá com a impressão de que o documento é uma carta de boas intenções, e ponto final. Para situar o leitor que ontem estava mais ligado na greve da PM na Bahia ou na visita da presidente às obras de transposição do Rio São Francisco, houve uma reunião no Itamaraty, na tarde de quarta-feira, em que praticamente a metade do primeiro escalão do governo analisou a proposta da ONU, ao lado de deputados, senadores e representantes da sociedade civil.
O presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, senador Fernando Collor (PTB-AL), anfitrião da Rio 92 (ou Eco 92) há 20 anos, foi um dos que mais criticou a proposta. Afinal, não dá para esquecer a ousadia de Collor, que, naquele ano, ameaçou acampar na frente da Casa Branca para convidar pessoalmente o presidente dos Estados Unidos, George Bush, o Bush pai, para o evento. Muitos podem reclamar de Collor, mas é fato que, se não fosse o empenho do presidente à época, aquela conferência não teria reunido tantos chefes de Estado e nem teria a presença de Bush.
Por falar em empenho...
Parece que o governo brasileiro acordou esta semana. Só a presença de ministros na reunião já é um sinal da importância que o Planalto dá à conferência. Há, a partir de agora, um empenho maior não só de se trabalhar um texto mais detalhado, como também de ser mais insistente nos convites aos chefes de Estado, para que compareçam à conferência no Rio de Janeiro, em junho. Na reunião da quarta-feira, por exemplo, houve consenso entre todos os presentes: ou o documento da Rio+20 trata de forma mais incisiva e clara temas como economia verde e combate à pobreza, ou o que vai sair da conferência será uma iguaria sem recheio, o tal escondidinho mequetrefe de que falamos lá em cima.
Tem razão o ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota, quando diz que o Brasil pode ter uma liderança natural nesse processo. Não só no sentido de cobrar dos outros uma posição mais firme, como instituir metas para si mesmo. No encontro desta semana, houve quem dissesse que o Brasil não tinha a menor preocupação com o desenvolvimento sustentável na época da Rio 92. Ali, o então presidente Collor conseguiu tirar uma agenda da qual o Brasil não saiu mais, apesar das idas e vindas.
A ideia agora é aproveitar o embalo da Rio+20 para acelerar esse projeto de desenvolvimento sustentável em território nacional e tentar, sem falsa modéstia, dar exemplo para o mundo. A próxima reunião da turma que esteve esta semana no Itamaraty será em 8 de março, para tentar aprimorar o documento da ONU. Afinal, se soubemos fazer do escondidinho de origem africana um prato charmoso, com o queijo coalho gratinado por cima, podemos fazer o mesmo em relação à economia verde. Basta trabalhar.
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