Aideia dos Brics saiu da cabeça de um economista, como se sabe, o agora famoso Jim O´Neill, do Goldman Sachs. Mas dez anos depois de criado o conceito, o comércio entre os países do bloco cresceu 150%, diz o economista João Pontes Nogueira, do Centro de Estudos Brics, da PUC-Rio. A ideia se consolidou porque tinha um fundo de verdade, diz o economista indiano Rakesh Vaidyanathan, do Brics Institute.
Foram criados centros de estudos sobre o tema, inúmeras reportagens em todas as publicações do mundo e há até reuniões de cúpula dos países. Em março, haverá uma em Nova Déli, para a qual está prevista a ida da presidente Dilma Rousseff.
No programa desta semana da Globonews eu entrevistei Vaidyanathan e Nogueira para falar do tema, que parece às vezes interminável. Segundo o economista indiano, a novidade nos Brics é que pela primeira vez se forma um bloco sem contiguidade geográfica. Apesar de Brasil, Rússia, Índia e China não serem um bloco formalmente, há uma coerência entre eles, segundo Vaidyanathan:
- São países de grande extensão territorial. Dois deles, Índia e China, com grandes mercados, e dois com enormes recursos naturais, Rússia e Brasil - diz o economista que é também sócio da consultoria The Jai Group.
Hoje já se fala da África do Sul como integrante desse conjunto de países com grande potencial de crescimento e poder estratégico. Nas conversas com os dois economistas, antes e depois da gravação do programa, eles disseram que têm dúvidas sobre a inclusão de outros. O México teria ficado sem poder regional ao fazer uma opção de aumento da dependência em relação à economia americana. A Coreia é um país desenvolvido, mas pequeno territorialmente e dividido em dois. Eles acham que na verdade há subgrupos e novos arranjos de países dependendo do tema e do momento. O relevante é que o conceito representa a mudança da estrutura de poder mundial.
- Esses países se caracterizam por serem polos dinâmicos, com crescimento acima da média e uma visão comum de que a ordem internacional tem que ser mais equitativa - diz o economista João Pontes Nogueira, que é também diretor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.
O Banco Mundial acaba de concluir um estudo sobre a China em 2030, no qual alerta que o país tem que fazer mudanças estruturais importantes, introduzindo mais liberdade econômica para ser mais competitiva. Nogueira diz que a economia chinesa já está sendo flexibilizada, com maior poder ao setor privado:
- Eles não ignoram essa necessidade, e já se formam setores mais dinâmicos; 40% do crescimento do PIB chinês foi puxado pelo consumo privado.
Vaidyanathan disse que a falta de liberdade política é também um limitador para a China porque as empresas do país são olhadas com muito mais cautela do que as indianas e brasileiras.
Sobre o velho problema da desindustrialização brasileira provocada em parte pela competição chinesa, Nogueira acha que o Brasil tem que olhar outros fatores que tiram competitividade da economia:
- Um estudo da Economist Inteligence Unit diz que a produtividade do trabalho no Brasil é a mais baixa entre os Brics.
Rakesh Vaidyanathan diz que o setor privado brasileiro poderia ser mais agressivo em outros países e que deveriam mirar na competição dos grandes do mundo, como fazem Índia e China:
- Sempre que converso com empresários brasileiros eles me dizem o que o governo deveria fazer para melhorar o ambiente de negócios. Claro que o governo pode muito, mas as empresas também poderiam fazer algo. O Brasil é o maior exportador de café, mas não existe marca internacional de café brasileiro. As empresas indianas e chinesas estão querendo concorrer com a Siemens, a Ericsson, a IBM. No Brasil, são poucas as que, como a Embraer, têm essa meta. Há falta de competição no Brasil. Duas ou três empresas controlam cada setor.
Ele acha que uma boa oportunidade que as empresas brasileiras podem estar perdendo é a de participar da urbanização na China e na Índia. O Brasil tem 90% de urbanização, a Índia tem 30%, e a China, 50%. Há chances para o Brasil nesse processo. Nogueira concorda e diz que há várias reuniões e estudos sobre grandes cidades para discutir urbanização previstos para breve, como o Fórum das Grandes Cidades dos Brics.
Perguntei ao economista indiano sobre duas fraquezas da Índia: educação feminina e conflitos regionais. Na Índia, quase metade das mulheres é analfabeta, são 300 milhões de mulheres analfabetas no país. Ele ponderou que o governo tem trabalhado com uma espécie de bolsa família para incentivar as famílias a colocarem as meninas na escola. Nas camadas mais jovens, o índice caiu. Entre as mulheres ricas já há alto nível de escolaridade e muitas ocupam posições de destaque no mundo dos negócios.
Sobre os vizinhos, lembrei a ele que o comércio entre Índia e Paquistão é de apenas US$ 3 bilhões, por causa dos conflitos regionais, e eles compram apenas 0,5% das suas importações de países do Sul da Ásia. Ele admitiu que isso é um problema:
- Deus deve ser mesmo brasileiro porque vocês têm bons vizinhos. Estamos trabalhando para haver maior cooperação com o Paquistão, mas o terrorismo cria obstáculos. Para ser uma potência regional, é preciso ser mais generoso com os vizinhos, mas infelizmente nós estamos ainda como os Estados Unidos eram para a América Latina nos anos 1960.
O assunto é tão vasto que o tempo acabou antes de se falar de Rússia, que enfrenta agora um momento estranho com a eternização de Vladimir Putin no poder. O tema Brics está continuará em alta, certamente.
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