A artista plástica Beatriz Milhazes, 51, prepara a maior exposição retrospectiva de sua carreira; em setembro, ela mostra suas obras no Malba, o Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires. O espaço será invadido pela luz filtrada dos vitrais berrantes de Beatriz, que serão instalados em toda a fachada de vidro irregular.
"Só me interessa o projeto que é monumental", diz ela à repórter Thais Bilenky, em seu ateliê no Jardim Botânico, no Rio. Um andar do museu será tomado por Milhazes. Deverão estar lá mais peças do que as 32 que estavam em sua última grande exposição, na Pinacoteca do Estado de SP, em 2008.
Naquele ano, seu quadro "O Mágico" foi leiloado por R$ 1,7 milhão na Sotheby's de NY -um recorde entre artistas brasileiros vivos. Em 2011, perdeu o posto para Adriana Varejão e sua "Parede com Incisões a la Fontana II", de R$ 2,9 milhões. Mas se superou em junho passado, com "O Moderno", vendido por R$ 1,8 milhão.
Beatriz gosta de rotina. "Sempre me senti uma operária." Ela usa as manhãs para fazer ginástica e resolver tarefas administrativas. Almoça ao meio-dia e então se tranca no ateliê até as 19h.
Ela se mudou recentemente para um apartamento no Leblon. Mora sozinha, mas convive com os rastros de seu ex-marido, o arquiteto Chico Cunha, que decorou a casa. Eles se separaram "não sei dizer há quanto tempo", depois de dez anos juntos. Não tiveram filhos. Mas o sobrinho Thomaz, filho de sua única irmã, está espalhado por sua vida. Tem fotos dele na tela do BlackBerry e no ateliê, e outras "marcas", como a fita crepe que ele colou no teto do estúdio para tampar goteira.
Hoje Chico e ela são "muito amigos" e também parceiros profissionais. Ele trabalha na concepção dos espaços das exposições dela, cada vez mais ligadas à arquitetura. Beatriz não gosta de falar sobre relacionamentos. "É uma coisa muito privada."
A artista morava na Gávea antes de se mudar para o Leblon. Era perto do ateliê e ela escapava do congestionamento. "Mas queria voltar a morar perto da praia. Nasci e me criei em Copacabana." Não tem animais, mas plantas, que ela mesma rega.
Instalou-se em um prédio dos anos 1940 de formato arredondado. "Era casada com um arquiteto e não curtia tanto. Mas tá sendo divertido brincar de dona de casa. Eu que trabalho com círculos agora moro dentro de um."
A mesa de jantar é, claro, redonda, de Sérgio Rodrigues. As paredes são brancas. Os sofás têm as cores da dona: roxo e mostarda.
"Tenho obras de amigos, como Leda Catunda, Luiz Zerbini e do próprio Chico, mas quase nada meu. Já convivo o dia inteiro comigo. Cheguei em casa, encerrei o expediente." Raramente sai, para jantar com amigos. "Nunca gostei de badalação." Gosta de ouvir ópera e Roberto Carlos.
Beatriz começou a pintar com a Geração 80, movimento artístico de vanguarda. Chico, o ex, também fazia parte. Nos anos 1990, ficou "encantada" pelo estilo barroco. "Adorava novela mexicana." A partir de 1995, quando expôs nos EUA pela primeira vez, foi ficando mais figurativa e depois abstrata. E também conhecida por lá.
Ela encontrou a coluna em seu ateliê. Vestia calça social, blusa e cardigan pretos. "Tudo Agnès B", grife francesa clean. Apenas as sandálias, da italiana Varda, eram vermelhas. Chegou alguns minutos atrasada. Recolheu correspondências e foi se maquiar. "Filhinha, precisa de alguma coisa?", perguntou a mãe, Gláucia, que a visitava. Vinte minutos depois, retornou quase que imperceptivelmente retocada. Deu dicas para a fotógrafa.
"Vou abrir a janela, mas como tá nublado, você vai precisar de luz artificial. Se quiser [foto] em movimento, vai precisar mudar a lente da câmera." Pediu para não ser fotografada de perfil. "Não é meu ângulo preferido."
Desde 1995, passa temporadas nos EUA e na Europa. Um investimento "pessoal" que ajudou a alavancar sua carreira internacional. "Me inspira. Você consegue entender o ambiente. Aqui [no Rio], se eu faço uma exposição, estou concorrendo, vamos dizer assim, com os artistas brasileiros. Em NY, eu concorro com os artistas do mundo inteiro", diz, num sotaque meio carioca, meio americano, meio francês.
Agora mesmo está indo a Lisboa, onde abrirá uma exposição na Fundação Calouste Gulbenkian, em fevereiro. Ficará lá uma semana. Depois do evento, viaja para Paris e fica um mês por lá.
Em suas voltas pelo mundo, acabou conquistando colecionadores como Benedikt Taschen, dono da editora Taschen ("é fiel e tem comprado as obras mais importantes"), e Peter Simon, dono das marcas Monsoon e Accessorize ("tem todas as minhas gravuras"). Está em coleções como as do MoMA (NY), Museu Reina Sofia (Madri) e Museu do Século XXI (Japão).
A crise econômica em 2011, para Beatriz, foi só uma marolinha. Vendeu as seis colagens que produziu no ano, cada uma por 150 mil dólares (R$ 271 mil), além de gravuras. Expôs na Suíça, em Berlim, em Paris e em Miami.
"Mesmo entre europeus e americanos, não são todos que chegam a esse patamar. O meu recorde [do quadro "O Mágico"] foi incrível. Abri porta para os latino-americanos. A Adriana [Varejão] fez isso agora [bateu o recorde nacional], mas não quer dizer que vá manter sempre."
"Interessante é que essa valorização esteja acontecendo. A gente tem como manter esse nível de qualidade. Mas não é questão só de dinheiro, tá? É uma questão de respeitabilidade pelo que você faz." A comparação de preços de obras é "horrível", diz ela. "Mas, ao mesmo tempo, entendo porque infelizmente é através disso que se percebe [o valor do trabalho]."
"Sei que tem artista que se encanta com o outro lado [do sucesso], mas o que eu realmente gosto de fazer é estar no ateliê. Sou uma artista feita à mão."
com DIÓGENES CAMPANHA, LÍGIA MESQUITA e THAIS BILENKY
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