domingo, janeiro 15, 2012

Matar a serpente - MERVAL PEREIRA


O GLOBO - 15/01/12
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que querem controlar as ações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estão tentando convencer o presidente do Tribunal, ministro Cezar Peluso, a fazer uma reunião fechada, antes da sessão que cuidará do tema, para que as posições sejam organizadas e o plenário não exponha uma divisão constrangedora, que enfraqueceria qualquer decisão.
Essa seria uma atuação atípica do nosso Supremo, que não tem o hábito de reuniões fechadas para acertar a posição de seus membros, como faz, por exemplo, a Suprema Corte dos Estados Unidos, que não tem reuniões públicas.
Apenas divulga a decisão final como tendo sido a posição vencedora, sem revelar as dissensões, que ficam atrás das portas fechadas.
Não há ainda uma definição clara sobre a tendência majoritária no Supremo em relação ao CNJ, e há notícias de que ministros buscam posições de conciliação.
Os movimentos de bastidores continuam muito intensos, e a divulgação do relatório do Conselho de Atividades Financeiras (Coaf), que a corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Eliana Calmon, enviou ao Supremo, é fruto dessas manobras.
Ele mostra que 3.426 juízes e servidores do Judiciário tiveram, nos últimos dez anos, movimentações de dinheiro consideradas "atípicas", num total de inacreditáveis R$855 milhões.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Rio (OAB-RJ), Wadih Damous, encaminhou sexta-feira um ofício à presidente do Tribunal Regional do Trabalho do Rio, Maria de Lourdes Sallaberry, pedindo a identificação do responsável por ter feito 16 movimentações financeiras no órgão, em 2002, totalizando R$282,9 milhões.
"Não queremos um novo juiz Lalau aqui no Rio", disse ele, referindo-se ao juiz do Tribunal do Trabalho de São Paulo que está preso por desvio de verbas para a construção da nova sede do TRT paulista.
O melhor que o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Nelson Calandra, principal contestador da atuação do CNJ, pode dizer sobre o relatório da Coaf é que "nem tudo que é atípico é legal".
Esse relatório é um exemplo de que há procedimentos que têm que ser investigados, demonstração cabal de que as liminares, que paralisaram as investigações no início do recesso de fim de ano, são prejudiciais à saúde moral do Judiciário.
A partir da liminar do ministro Marco Aurélio Mello, as funções do CNJ foram esterilizadas, e, devido a uma outra liminar dada também no último dia antes do recesso, esta pelo ministro Ricardo Lewandowski, as investigações internas em várias regionais também foram paralisadas.
O relatório, ao mesmo tempo, fortalece a posição da corregedora Eliana Calmon, que vem batalhando por isso, revelando à opinião pública que tipo de investigação querem evitar os que pretendem imobilizar o CNJ, transformando-o em órgão meramente revisor.
Não pode ser considerado normal que uma classe tenha tantos membros com movimentações fora da curva. Da mesma maneira, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo deu 30 dias para que os magistrados paulistas entreguem suas declarações de Imposto de Renda, o que é um procedimento exigido, mas não cumprido. Boa parte dos magistrados não admite ser investigada, se considera acima da lei.
A tendência no Supremo para reduzir os poderes do CNJ é forte, e, por isso, a corregedora Eliana Calmon decidiu explicitar sua atuação para fora, em busca do apoio da opinião pública, que revelações como essas reforçam.
O artigo 103-B dispõe que caberá ao CNJ o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. Não se diferenciando de 1ª instância ou de tribunais.
Certamente, o que a Constituição Federal não permite é a interferência do CNJ nas sentenças judiciais de qualquer instância, juízo ou tribunal.
De qualquer forma, suas decisões estão subordinadas - como todo o resto, inclusive e, principalmente, sentenças - ao crivo do STF.
Assim, no entendimento que prevalecia até agora, o CNJ detém poderes para verificar atuação de juízes no controle administrativo e financeiro, que é onde está a "caixa-preta" do Judiciário. Um dos pontos mais controversos da ação do CNJ, e que deve ser resolvido pelo plenário do Supremo, é o momento a partir do qual o conselho pode investigar.
Uma das alegações contrárias ao CNJ é que, se o juiz já está sob o crivo do seu tribunal, seria ilegal submetê-lo a outro processo pelos mesmos fatos - doutrina e jurisprudência imemoriais repelem a acumulação de investigação (bis in idem), lembram os especialistas.
Mas, se o tribunal não decide e as reclamações se eternizam? E se a parte reclamante faz a prova do, digamos, desleixo?
O CNJ não foi criado como um órgão revisor. Tem poderes tão amplos que pode agir por conta própria e vinha investigando casos de corrupção na magistratura sem a necessidade de aguardar uma decisão do tribunal local.
As associações de magistrados querem impedir essa autonomia e advogam, como está explicitado na decisão do ministro Marco Aurélio Mello, que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) não pode investigar juízes antes de a denúncia ser analisada pela corregedoria do tribunal onde se registra o caso.
O anseio da sociedade por mais justiça, mais rapidez nos processos, foi o que fez com que a ideia de um controle externo da magistratura prosperasse e fosse vitoriosa depois de anos de negociação.
É isso que está em risco neste momento ou, como diz a corregedora Eliana Calmon, "a serpente está nascendo" e é preciso combatê-la.

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