VALOR ECONÔMICO - 14/12/11
O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) passará, nos próximos meses, pela mais profunda reestruturação da sua história. Se vingar, a reforma será um importante passo para a redução do custo regulatório no Brasil; se malsucedida, implicará a elevação das barreiras ao investimento produtivo e sério entrave ao crescimento econômico.
O Cade é a autarquia vinculada ao Ministério da Justiça que responde pela aprovação ou reprovação dos processos de fusão e incorporação instruídos pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (Seae). Mais do que isso, é o órgão julgador dos processos de punição dos cartéis instruídos pela Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE). A atuação do Cade é regida pela Lei nº 8.884/94.
As mais relevantes guinadas trazidas pela aprovação do Projeto de Lei nº 3.937/2004, que substituirá a lei atual, estão na conversão da análise das fusões e incorporações em processo prévio, no enxugamento dos prazos de análise e na assimilação pelo Cade dos trabalhos antes exercidos pela Seae e pela SDE.
Pela lei atual, o Cade analisa as fusões e incorporações após a sua realização, incorrendo, se necessário, no hercúleo trabalho de separar ativos já unificados. Com a introdução da análise prévia e o enxugamento dos prazos de análise, nenhum processo de fusão ou incorporação poderá ser concretizado antes do seu aval - que deverá ser dado em, no máximo, 11 meses (algo próximo do que ocorre nos casos mais complexos nos Estados Unidos).
Para que se tenha uma ideia, o recente caso da operação de fusão Sadia-Perdigão levou aproximadamente o dobro do prazo e a sua celeridade foi considerada paradigmática em função da instrução que o Cade conduziu paralelamente à da Seae.
O processo de transição entre os dois modelos tem, com razão, sido preocupação constante dos setores empresariais e, mais recentemente, do próprio Cade, que criou, basicamente em conjunto com a SDE, grupos voltados à adaptação regimental e estrutural à nova lei.
Dois elementos basilares, entretanto, têm recebido baixa atenção de todos aqueles que estão a par do momento: a ausência de um programa voltado especificamente para o treinamento dos servidores (nas novas atribuições de instrução, na adjacente celeridade e na própria interpretação da lei e do novo regimento interno) e a possível carência de lideranças internas ao Tribunal de transição.
Publicada em 1º de dezembro último, a Lei nº 12.529/2011 ou nova lei antitruste entrará em vigor em junho de 2012. Mas, no mês que vem, janeiro de 2012, o mandato-tampão de Fernando Furlan já terá chegado a termo, assim como o mandato de Ricardo Ruiz - cuja recondução precisará ser encaminhada e votada. Pouco mais de dois meses após a entrada em vigor da nova lei, Carlos Ragazzo e Olavo Chinaglia deixam o Conselho.
Olhando em perspectiva, o Cade contará com três recém-chegados membros e três outros comissionados completando um ano de casa. E essa coincidência dos termos dos mandatos nada mais é que resultado da histórica falta de comprometimento com a tempestiva nomeação de substitutos para aqueles que deixam o Conselho. Fica aí a pergunta de quem, no Tribunal, fará a transição para o novo Cade.
Como sempre se ouve dos membros do plenário prestes a deixar aquela autarquia, deve-se a continuidade do coeso funcionamento institucional à presença de servidores que paulatinamente transmitem ao mandatário não só o funcionamento da administração do gabinete, como também a jurisprudência do órgão. E é da experiência e qualidade técnica dos assessores que o Conselheiro tira a segurança de que todo o trabalho será feito em bom tempo e com destreza.
Aliás, como parte significativa dos integrantes do Conselho não advém da área concorrencial, o seu trabalho se identifica, no princípio do mandato, como o de aprovação de pareceres feitos pela sua assessoria, sem que haja significativa contribuição intelectual em uma área com dinâmica própria.
Apesar da qualidade técnica da assessoria que lá permanece, a constante sangria de servidores não só reduziu a um perigoso limite a quantidade de assessores que efetivamente trabalha com processos (área-fim), como nivelou o conhecimento do conselheiro que entra com o da assessoria que lhe deveria dar suporte. E, por conta da escassez de servidores com larga experiência (derivada da citada sangria), perde-se, no forçado processo de aprendizado prático ("learn by doing"), contato com a jurisprudência e o conhecimento em que tanto se investiu no passado.
Essa mesma sangria é o fracasso de um dos mais relevantes projetos idealizados pelo Conselho que assumiu a partir de 2008 e que sucedeu o denominado período Elizabethano: trazer servidores de carreira e criar incentivos para que ficassem.
Mesmo a anunciada chegada de experientes servidores da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça não deve suprir essa falha.
Especialmente durante a gestão Tavares-Martinez, a área que tratava de fusões e incorporações foi estrategicamente esvaziada, deixando-se a análise por conta da Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda.
Embora a medida fosse, então, justificável sob a ótica de reduzir os balcões de análise com atribuições superpostas e dada a carência de servidores naquela unidade, ela provoca, hoje, perdas significativas de expertise no processo de transição, dado não haver sinalização de que os técnicos especializados em antitruste do Ministério da Fazenda migrarão para o Supercade.
O trabalho da Procuradoria do Cade tem sido, nesse particular, de mais digna menção. Apesar de a rotatividade também estar presente na Procuradoria, ela se faz sentir muito menos. Talvez por força do próprio apego que o jurista tem à segurança jurídica, o bom funcionamento do Cade nessa fase inaugural dependerá do papel do agora procurador-chefe como guardião da lei.
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