As perspectivas são sombrias, os dados econômicos de meio mundo são decepcionantes e governos e órgãos multilaterais fazem comentários cautelosos. Ainda assim, esse cenário não parece estar refletido no preço dos ativos.
O mercado, esse ente que transparece ser frio e 100% técnico em sua tomada de decisões, parece cada dia mais agarrado à esperança.
Em um verdadeiro exercício de fé, espera que o pior cenário não vá acontecer, pois "alguém" não vai deixar. Seja o Federal Reserve (Fed), banco central americano, Banco Central Europeu (BCE), a China, o Brasil ou uma coalisão criada do nada.
"Parece que o mercado está com uma percepção de risco um tanto distorcida em função dessa ideia de que o pior será evitado pela interferência de um ente divino", diz o sócio da Teórica Investimentos, Rogério Freitas.
Ter fé não é o problema no mercado. A questão é que quando se acredita que alguém ou alguma coisa vai evitar o pior cenário possível, não se avalia corretamente os riscos.
"Ao pensar dessa forma o mercado está avaliando o risco de maneira equivocada", diz.
Esse raciocínio é sintoma claro de risco moral ("moral hazard"). "O pior não vai acontecer porque todas as autoridades do mundo não querem repetir 2008", esse é um exemplo de tal raciocínio.
Segundo o especialista, a atuação do Fed durante a crise de 2008, resgatando instituições indiscriminadamente, criou uma cultura de não mais se analisar risco.
Como essa análise de risco não está sendo bem feita, se o pior cenário virar realidade muita gente será pega "de pé trocado".
"Existem enormes riscos no cenário atual. Apesar dos sofisticados modelos de risco utilizados, nenhum deles pode antecipar eventos que nunca ocorreram. Acreditamos que eventos impensáveis anteriormente podem acontecer com maior frequência nos dias de hoje. Temos visão de que a qualquer momento um evento de cauda, acontecimento raro com forte impacto nos preços dos ativos, pode ocorrer", diz Freitas.
Para o especialista, não é necessária uma ruptura do sistema financeiro como a falência do Lehman Brother. O pano de fundo da economia mundial aponta para um aumento significativo da probabilidade desse "pior cenário" se concretizar.
"O mundo está entrando em um período de forte desaceleração com alto risco de recessão e deflação de preços. Nesse sentido, a diferença dos dois cenários seria apenas a velocidade da queda dos mercados", pondera Freitas.
Dentro desse ambiente, a parte saudável da economia global começa a ser contaminada. Uma recessão na zona do euro, invariavelmente pega a China e os Estados Unidos. E a surpresa maior será com o crescimento, ou falta dele, no mundo emergente, em função das expectativas otimistas.
Ainda de acordo com o especialista, a "receita" adotada para salvar a zona do euro gera um ciclo vicioso. A Alemanha quer impor o ajuste via corte de salários e queda de preços dentro de países problemáticos.
Só que a queda nos preços e salários, em meio a uma recessão, cria esse ciclo perverso, de redução na arrecadação pública e piora ainda maior na relação dívida/PIB.
A resposta mais adequada, na visão de Freitas, seria a união fiscal, com capacidade de cobrar a todos os países da união monetária, mas com mecanismos automáticos de transferência de renda entre os estados.
Ou seja, o exato oposto do plano apresentado recentemente, que apresenta estritos limites de déficits e de endividamento, sem medidas de compensação para estimular a demanda em outra parte da zona do euro.
Trazendo a análise para o campo doméstico, Freitas aponta que e em vista da desaceleração mundial, o Banco Central (BC) deve continuar com o processo moderado de ajuste na taxa básica de juros e o governo também continuará adotando medidas de estímulo.
"Ainda assim, acreditamos que a expansão da economia nos próximos trimestres surpreenderá de forma negativa os agentes novamente", diz Freitas.
E dentro desse cenário de desaceleração global, com risco de deflação, o especialista avalia que as commodities sofrerão quedas adicionais, os termos de troca brasileiros serão corrigidos de maneira substancial e os investimentos estrangeiros diretos no país desacelerarão significativamente.
"Concordando ou não, é nesse ambiente de investimento em que vivemos e é nele que temos que procurar opções de investimento com relação risco/retorno atraente", diz Freitas, apontando que o dólar é o melhor ativo nesse ambiente.
A avaliação completa de Freitas está disponível em www.teorica.com.br - cartas mensais.
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