FOLHA DE SP - 11/12/11
Aos 57, Tetê Espíndola, do hit 'Escrito nas Estrelas', prepara novo CD e diz que encontrou o agudo da voz na beira do rio, em um 'encontro das nuvens com o céu'
Foi por volta de 1975, dez anos antes de ficar nacionalmente conhecida cantando "Escrito nas Estrelas" no Festival dos Festivais, da TV Globo, que Tetê Espíndola, 57, descobriu que tinha aquela voz aguda. Estava com os irmãos, também músicos, assistindo ao pôr do sol à beira de um rio em Santo Antônio do Leverger, no Mato Grosso.
"Eu cantava como todo mundo, tinha uma voz normal, e naquele dia estava afônica ", ela conta, na cozinha do apartamento em que mora, em Moema (SP), ao repórter Marcus Preto. "Mas, de repente, uma coisa astral aconteceu. Um encontro das nuvens com o céu. E do céu com o rio. Senti um negócio na garganta e falei: 'Vou cantar'. Peguei a craviola [espécie de violão] e brotou o agudo. Comecei a improvisar."
Começou a explorar a nova voz. "Ia pra Chapada dos Guimarães, sentava à beira do precipício e cantava, fazendo sons e ouvindo o eco. Minha voz chamava as araras e elas vinham. A partir daí, comecei a prestar atenção no canto dos pássaros."
"Tetê e o Lírio Selvagem", o primeiro LP, viria em 1978 -três anos depois do agudo. Na capa, vestia macacão colado ao corpo, com araras e tucanos pintados. Os irmãos Geraldo, Marcelo e Alzira Espíndola, integrantes do Lírio Selvagem, usavam tigres, papagaios, tartarugas etc.
Foi a chegada de Tetê a São Paulo. Ainda assustada com a possibilidade de gravar o disco, convenceu os irmãos a também trocarem Campo Grande (MT), onde nasceram, pela cidade em que tudo poderia acontecer. Eles vieram, mas o grupo não foi pra frente. "Era todo mundo muito puro, bicho do mato. Só as mulheres aguentaram o tranco de ficar. Eu e Alzira estamos aqui até hoje."
Ficou amiga de Arrigo Barnabé em 1979. O choque entre a erudição musical dele e o autodidatismo dela transformou a vida dos dois. "Passei a compor umas coisas mais loucas. Eu disse que o que eu fazia era 'sertanejo lisérgico', uma mistura de hippie com rural. E a gente passou a criar pensando nisso."
Conheceu o marido, Arnaldo Black, por meio do letrista Carlos Rennó, com quem sua irmã Alzira havia sido casada e tem uma filha, a hoje também cantora Iara Rennó. E foi o ex-cunhado quem escreveu os versos das duas canções que, em 1985, Tetê inscreveria no Festival dos Festivais. A primeira, "Visão da Terra", tinha melodia da própria cantora. Sofisticada demais, foi desclassificada. A segunda, "Escrito nas Estrelas", com música de Black, venceria o festival.
"A letra conta exatamente a história de amor que eu vivia com meu marido. Era a nossa vida", diz Tetê. Para as eliminatórias na TV, preparou uma roupa que mais parecia uma rede. "Era um macacão de macramê feito no meu corpo. Hoje, está na última moda de novo. Quando ficou pronto, achei que estava muito pelado. Então, botei franjas prateadas."
*De fato,* boa parte de seu corpo ficava à mostra. O figurino foi considerado tão extravagante quanto a voz da cantora. E o impacto só aumentou quando a canção foi apresentada, contendo a palavra "tesão" em um verso.
"A primeira vez que usei batom foi no palco daquele festival. Sempre fui muito menina hippie, selvagem, índia, bugre. Eu pesava 40 quilos no máximo, não tinha nada a ver com essas mulheres boazudas. Até o dia do festival, mantive isso. Mas, ali, eu incorporei aquela figura."
O disco mix (LP com uma única faixa) de "Escrito nas Estrelas" vendeu 500 mil cópias e Tetê virou estrela nacional. Mas só tinha um hit. "Em uma festa de peão, no Acre, cheguei a ter cem mil pessoas na plateia. Assim que cantei 'Escrito nas Estrelas', 50 mil viraram as costas e foram embora. Depois disso, a música só entra no bis."
Acontece que a fama de mulherão pegou. E Tetê, em 1987, foi chamada para viver uma sereia em "Mônica e a Sereia do Rio", filme dirigido por Maurício de Sousa e Walter Hugo Khouri. "Uma hora eu era flor, outra hora era onça, depois elfo, sereia... E contracenava com um desenho animado que não existia. Tinha que imaginar que estava falando com a Mônica. Foi muito mágico."
Foi mágico porque conseguiu engravidar. "Eu e meu marido já estávamos tentando fazia cinco anos. E parece que eu captei uma coisa naquele filme da Mônica e vim totalmente mágica disso. Fui construindo um ninho." Nove meses depois, nascia o primeiro filho, Dani Black, hoje também músico. E em 1990, Patrícia, a caçula.
Tetê poderia ter seguido adiante o caminho do sucesso popular, mas sua gravadora fechou tão logo "Escrito nas Estrelas" foi lançada. Entre continuar filiada à grande indústria e voltar ao trabalho experimental com os sons da natureza, escolheu a segunda opção.
Em 33 anos, de carreira fonográfica, Tetê já cantou com todos os tipos de passarinho. "Quando me apresento na Europa, o público me vê como um bicho, não como uma cantora popular." Também fez duetos com o eco da própria voz refletida em rios, cachoeiras e árvores.
Em 1991, gravou "Ouvir", álbum em que aprofundou a experiência com os pássaros. "Foi a coisa que mais repercutiu na minha vida depois de 'Escrito nas Estrelas'. É meu trabalho que rendeu mais matérias de capa, corri o Brasil todo com ele. Só não superou o festival porque não foi exibido na Globo."
Prepara um disco para 2012, sobre o qual guarda segredo. Só conta que serão 11 músicas -todas dela- cantadas com 11 convidados.
Ah, o número 11. Há um mês, fez um show no Tom Jazz (SP). O motivo? Era 11/11/11 e ela queria comemorar 33 anos de carreira discográfica. "O 11 sempre teve tudo a ver comigo. Nasci num dia 11, moro no apartamento 11, meu marido trabalha no 11º andar." No palco, percorreu todas as facetas de sua história na música. As canções dos tempos de sereia, as composições 'sertanejo-lisérgicas', 'Escrito nas Estrelas'". E, claro, imitou a voz aguda dos passarinhos. Só faltou voar.
"O Festival [dos Festivais] só teve lado bom. Sou quem eu sou porque ganhei. Faz 25 anos e continuo conhecida até hoje"
"Na Europa, o público e a crítica me veem como um bicho, não como cantora"
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