De mal e benfeitores
ZUENIR VENTURA
O Globo - 09/11/2011
Recaem sobre o prefeito Dermeval Filho sérias acusações de improbidade administrativa, fraudes e desvio de recursos públicos. São tantas as denúncias que anteontem a Justiça Federal decretou o seu afastamento temporário do cargo, junto com o secretário de Governo José Ricardo Carvalho de Lima, além do bloqueio de bens dos dois, do secretário de Educação e de dois empresários da região. Todos teriam sido favorecidos de maneira ilegal. A decisão ordenou ainda a quebra de sigilo bancário e de gastos com cartão de crédito.
Quando, seis meses depois do temporal, houve manifestações de protesto e cobrança de providências concretas - o cenário continuava o mesmo, os desabrigados não tinham para onde ir -, Dermeval deu uma entrevista coletiva tentando justificar-se: "Seis meses não é nada, vamos ter trabalho para mais de dez anos", disse aos jornalistas, esquecendo-se de que na mesma época o Japão, arrasado em março por terremoto e por tsunami, já expunha os primeiros resultados de sua reconstrução. Eram imagens impressionantes do "antes e depois", que contrastavam vergonhosamente com o que não se estava fazendo em Friburgo.
Mas não só de malfeitos tem vivido a Região Serrana pós-tragédia. Ouvi várias histórias edificantes de voluntários e benfeitores, como a do cidadão carioca que se comoveu lendo e vendo o noticiário do temporal. Resolveu então socorrer desalojados em Friburgo e Teresópolis, doando quatro casas a famílias que ficaram sem ter onde morar. Interessou-se especialmente por um casal que perdera quatro filhos soterrados e, para agravar o drama, não podia ter mais porque o marido fizera vasectomia. Além de lhes oferecer uma casa, o doador trouxe os dois ao Rio, levou-os a um grande especialista em inseminação artificial e, com o tratamento, a mulher ficou de novo grávida. Na segunda-feira de manhã, encontrei por acaso o discreto benfeitor no calçadão de Ipanema. Ele se surpreende com minha descoberta e, constrangido, explica que não quer divulgação. Quase se desculpou pelo gesto: "como não podia socorrer todos, fiz o que estava ao meu alcance."
Não resisto e revelo aqui a sua identidade: Carlos Augusto Montenegro, presidente do Ibope. Ficou provado mais uma vez que no Brasil tem quem rouba e quem faz. Mas em geral não são a mesma pessoa.
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