Levar os convênios a sério
RUBENS NAVES E THIAGO DONNINI
FOLHA DE SP - 09/11/11
Desvios de recursos oriundos de convênios com organizações sem fins lucrativos levaram à queda de dois ministros do governo Dilma.
Diante disso, o novo ministro do Esporte, Aldo Rebelo, comprometeu-se a celebrar novas parcerias apenas com Estados e municípios, na aparente suposição de que os entes políticos são imunes às irregularidades. Em seguida, a presidente editou decreto que "suspende as transferências de recursos a entidades privadas sem fins lucrativos até avaliação de regularidade da execução num prazo de até 30 dias".
Compreende-se que, diante de denúncias, o governo tente despachar a culpa para um setor "não governamental". Mas é preciso enxergar a realidade. Em alguns pontos, o decreto presidencial chove no molhado, enquanto, em outros, incorre em arbitrariedades.
Ao determinar a avaliação de regularidade dos convênios, só reitera uma exigência legal a que o governo sempre esteve sujeito. Já o desrespeito ao que foi pactuado, como se convênios não representassem obrigações para as partes signatárias, é ilegalidade flagrante.
Fato curioso é que no próprio governo há uma visão sensata sobre o problema. Em julho, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, convocou a sociedade -ONGs incluídas- para discutir aprimoramentos da legislação sobre convênios.
Em edital de seleção de projetos, o ministério reconhece: "(...) As regras que regem a fiscalização e a prestação de contas dos convênios não estão consolidadas em um único diploma legal. Na falta de uma disciplina clara e estável, é comum que alterações ocorram, não só a cada ciclo orçamentário, como também por meio das constantes alterações na jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU), ou ainda com as recomendações do órgão interno de controle, a Controladoria-Geral da União (CGU)".
Predominantemente formada por atos do Poder Executivo (decretos, portarias, instruções), alterada ao sabor dos escândalos, a disciplina dos convênios é fonte de insegurança jurídica. O novo decreto da presidente Dilma vem apenas confirmar esse quadro.
Caso resulte numa onda de suspensão e encerramento de convênios, importantes demandas sociais deixarão de ser atendidas, uma vez que o Estado, sozinho, não terá como prestar os serviços necessários.
Levar os convênios a sério significaria respeitar o perfil constitucional desse tipo de ajuste, caracterizando-os como verdadeiros instrumentos de fomento.
A lei nº 9.790/99, que disciplina o regime jurídico das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e institui o termo de parceria, foi um passo significativo nessa direção, fixando um marco seguro, orientado por paradigmas como moralidade, profissionalismo, consensualidade e eficiência.
Com alguns aperfeiçoamentos e maiores cuidados na sua execução, essa lei poderia se transformar no novo marco jurídico dos convênios.
Resta saber se um regime jurídico bem estruturado para as relações do Estado com organizações sem fins lucrativos interessa ao governo e aos partidos de sua base.
RUBENS NAVES, 69, é advogado, professor licenciado da PUC-SP e representante do Conselho Federal da OAB no "Comitê Jurídico do Projeto Jogos Limpos", coordenado pelo Instituto Ethos. Fundador e conselheiro da Transparência Brasil.
THIAGO LOPES FERRAZ DONNINI, 31, advogado, mestrando em direito do Estado pela PUC-SP, é professor da PUC-SP e da Universidade Nove de Julho.
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