A atuação do BC em dias anormais
CRISTIANO ROMERO
Valor Econômico - 09/11/2011
Numa cena testemunhada por mais de uma pessoa, Alan Greenspan, ex-presidente do Federal Reserve (Fed), se aproximou do presidente do Banco Central (BC), Alexandre Tombini, e comentou: "Vocês fizeram um movimento forte, hein!". O movimento foi a redução, no dia 31 de agosto, da taxa básica de juros (Selic), de 12,5% para 12% ao ano. O comentário foi feito em jantar oferecido pelo JP Morgan, em Washington, durante a reunião anual do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial.
O comentário de Greenspan não foi necessariamente crítico. Ele expressou, na verdade, surpresa com a ação do BC brasileiro, que decidiu cortar a taxa de juros mesmo com a inflação acima da meta (4,5%) e em meio a um contínuo processo de deterioração das expectativas dos agentes econômicos.
O ex-presidente Lula costumava dizer que é muito mais fácil subir juros quando a inflação está alta. Do ponto de vista da política monetária, é melhor elevá-los antes que a inflação aumente porque, muitas vezes, o BC é surpreendido por choques de oferta, como os do fim do ano passado e do início deste ano.
A surpreendente decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) fez analistas importantes acreditarem que o BC rasgou a cartilha e abandonou o regime de metas. Essa percepção foi ampliada pelo falatório que passou a dominar Brasília nos dias seguintes à reunião do Comitê.
Ministros de várias Pastas começaram a disseminar a versão de que o Copom baixou os juros porque assim decidiu a presidente Dilma Rousseff. Alguns sustentaram que o governo, a partir de agora, teria uma meta de juros, em vez de uma de inflação. Outros espalharam a tese, transformada em projeto de lei pelo senador Lindberg Farias (PT-RJ), de que o BC, daqui em diante, teria mais dois objetivos a cumprir, além da estabilidade do poder de compra da moeda - estimular o crescimento e o emprego.
Junte-se a esse quadro o fato de a decisão do Copom não ter sido unânime. Cinco diretores votaram pela redução da taxa Selic, enquanto dois se opuseram. O dissenso mostrou que havia quem considerasse o movimento precipitado. Entre a reunião de agosto e a do dia 19 de outubro, o Copom recobrou a unidade. Em decisão unânime, promoveu novo corte de 0,5 ponto percentual nos juros, e desta vez sem surpreender ninguém.
A tradição do regime de metas no Brasil, e provavelmente na maioria dos países que o adotam, mostra que a decisão de agosto foi, de fato, diferente. Antes, o Banco Central não reduzia juros com a inflação acima da meta. Entender, no entanto, por que fez isso agora pode ajudar a antever futuros passos da autoridade monetária.
Não houve mudança no regime de metas, embora no governo e fora dele muitos torçam para que isso ocorra. O regime é "forward-looking", isto é, ele olha a economia de forma prospectiva. Foi isso o que o Copom fez quando iniciou o alívio monetário antes do esperado.
O BC constatou que o Produto Interno Bruto (PIB) já estava desacelerando fortemente e que as condições da economia mundial haviam mudado drasticamente desde o início do ano e que isso teria um efeito adicional, negativo, sobre o Brasil. De fato, o IBC-Br, índice de atividade econômica calculado pelo BC e que tem forte correlação com o PIB apurado pelo IBGE, caiu fortemente em agosto (-0,53%), surpreendendo o próprio mercado, que, até então, ainda via a atividade bastante aquecida.
No cenário internacional, o que se viu entre janeiro e setembro foram revisões seguidas, sempre para baixo, das perspectivas de crescimento das economias avançadas. Isto, sem falar nos episódios que reavivaram a crise financeira internacional na Europa, afetando as expectativas do mercado doméstico.
É bom lembrar que o BC não apostou no colapso da economia mundial. Comunicou apenas que a crise, iniciada em 2008/2009 e agravada recentemente, será prolongada, mas possivelmente sem um evento de ruptura, como o que ocorreu em 2008, quando houve a quebra do banco Lehman Brothers. Num exercício econométrico, calculou que a crise lá fora, sem ruptura, terá impacto negativo na economia brasileira equivalente a 1/4 do ocorrido em 2008/2009.
Naquela crise, o PIB brasileiro perdeu cinco pontos percentuais de crescimento. Agora, por esse exercício, perderá 1,25 ponto. Se houver ruptura lá fora, o BC será obrigado a refazer o exercício porque o impacto será mais forte. A avaliação, neste momento, é a de que, quanto mais se demora para resolver questões como as da Grécia e dos bancos europeus, maior é a probabilidade que ocorra um evento de crédito.
É razoável esperar que, de agora em diante e mais do que fez no passado, o BC tome suas decisões com um olhar atento sobre o futuro. Isto não significa que abandonará o regime de metas, mas que procurará não se deixar surpreender por circunstâncias domésticas e internacionais, estas marcadas por elevado grau de imprevisibilidade. Ademais, o banco mantém o compromisso de trazer a inflação, hoje em 7,3%, para 4,5% até o fim de 2012.
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