Yo hablo portuñol
MICHELE BORGES DA COSTA
O TEMPO - 04/11/11
Não foram necessárias as pouco mais de quatro horas instalada estrategicamente em uma das poltronas verdes em frente ao portão mais movimentado do pedaço para entender que, também ali, já no continente vizinho, o portuñol era um dos protagonistas.
Mutante e anárquico, o idioma desfilou por mim de tantas formas quanto o número de turistas que passaram pelo aeroporto internacional do Panamá na manhã daquela terça-feira. A maioria indo ou vindo, pouca gente ficando, mas cada um se esforçando em se tornar legível.
Nos sete dias seguintes, fui praticante empenhada da língua que, desconfio, deu origem ao resto, justamente por ser filha legítima da necessidade com a generosidade. Tem encontro mais bonito? El portuñol foi meu companheiro dedicado e cômico na tentativa de experimentar outro país, outra cultura, de me conectar com as pessoas de boa vontade. E voltei para a casa certa de que é a língua do futuro.
O Brasil tem quase 17 mil quilômetros de fronteiras com nove países da América Latina. É muita gente exercitando e reinventando um jeito de falar. Idioma sem gramática, sem dicionário, sem regras ortográficas, é tão democrático, que cada um tem o seu. Espécie de vocabulário pessoal e intransferível.
Esse incomparável poder criativo, sua identidade bissexual e a gigante tolerância diante do erro o deixam irresistível.
Li outro dia uma frase que me acompanhou pela viagem à Colômbia e ao Panamá: "El portuñol es un transex de la fronteira. Algo que si adapta como las identidades si adaptando en el mundo contemporâneo". O autor é Joca Reiners Térron, poeta, prosador, artista gráfico e editor nascido em Cuiabá, que já defendeu que o idioma híbrido pode ser um instrumento para que os brasileiros reflitam sobre como veem os hermanos latino-americanos.
Para além dessa proposta fisiológica, ainda é preciso levar em conta a dianteira tomada pelos países da parte de baixo do continente. Uma passadinha nas páginas de economia de qualquer jornal deixa claro que o dinheiro tem adotado outros sotaques, deslocado as forças, comprado novas mercadorias. O fim do tempo do dólar e do chicote está logo ali na esquina, desde que as chacoalhadas recentes da ordem mundial colocaram o portuñol, seus signos e representações, em outro patamar.
Não só é a língua falada por turistas, técnicos de futebol, políticos, jornalistas e brasileños fazendo compras em Miami e Orlando ou tomando sol nas praias do Caribe. Ahora, está submetida ao cálculo do valor agregado.
Se depender de nosotros, estamos decididos a divulgar o dialeto pelos quatro cantos e torná-lo a língua oficial dos viajantes. Além de sua incontestável utilidade, o portuñol és muy encantador.
Para entrar nesta buena onda, é só seguir a maré: inclua as letras "u" e "i" no meio de um tanto de palavras - puede, nuevo, pierde, también -, pegue um outro tanto e coloque no diminutivo - amorzito, hombrecito, cafezito, bocadito - e, finalmente, espalhe alguns "el" pela frase. Pronto, estará hablando portuñol fluentemente.
E assim, portuñolando, conquistaremos o mundo!
Mutante e anárquico, o idioma desfilou por mim de tantas formas quanto o número de turistas que passaram pelo aeroporto internacional do Panamá na manhã daquela terça-feira. A maioria indo ou vindo, pouca gente ficando, mas cada um se esforçando em se tornar legível.
Nos sete dias seguintes, fui praticante empenhada da língua que, desconfio, deu origem ao resto, justamente por ser filha legítima da necessidade com a generosidade. Tem encontro mais bonito? El portuñol foi meu companheiro dedicado e cômico na tentativa de experimentar outro país, outra cultura, de me conectar com as pessoas de boa vontade. E voltei para a casa certa de que é a língua do futuro.
O Brasil tem quase 17 mil quilômetros de fronteiras com nove países da América Latina. É muita gente exercitando e reinventando um jeito de falar. Idioma sem gramática, sem dicionário, sem regras ortográficas, é tão democrático, que cada um tem o seu. Espécie de vocabulário pessoal e intransferível.
Esse incomparável poder criativo, sua identidade bissexual e a gigante tolerância diante do erro o deixam irresistível.
Li outro dia uma frase que me acompanhou pela viagem à Colômbia e ao Panamá: "El portuñol es un transex de la fronteira. Algo que si adapta como las identidades si adaptando en el mundo contemporâneo". O autor é Joca Reiners Térron, poeta, prosador, artista gráfico e editor nascido em Cuiabá, que já defendeu que o idioma híbrido pode ser um instrumento para que os brasileiros reflitam sobre como veem os hermanos latino-americanos.
Para além dessa proposta fisiológica, ainda é preciso levar em conta a dianteira tomada pelos países da parte de baixo do continente. Uma passadinha nas páginas de economia de qualquer jornal deixa claro que o dinheiro tem adotado outros sotaques, deslocado as forças, comprado novas mercadorias. O fim do tempo do dólar e do chicote está logo ali na esquina, desde que as chacoalhadas recentes da ordem mundial colocaram o portuñol, seus signos e representações, em outro patamar.
Não só é a língua falada por turistas, técnicos de futebol, políticos, jornalistas e brasileños fazendo compras em Miami e Orlando ou tomando sol nas praias do Caribe. Ahora, está submetida ao cálculo do valor agregado.
Se depender de nosotros, estamos decididos a divulgar o dialeto pelos quatro cantos e torná-lo a língua oficial dos viajantes. Além de sua incontestável utilidade, o portuñol és muy encantador.
Para entrar nesta buena onda, é só seguir a maré: inclua as letras "u" e "i" no meio de um tanto de palavras - puede, nuevo, pierde, también -, pegue um outro tanto e coloque no diminutivo - amorzito, hombrecito, cafezito, bocadito - e, finalmente, espalhe alguns "el" pela frase. Pronto, estará hablando portuñol fluentemente.
E assim, portuñolando, conquistaremos o mundo!
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