"Mas qual é a proposta?"
ALON FEUERWERKER
CORREIO BRAZILIENSE - 04/11/11
O piadismo na internet sobre o câncer de Luiz Inácio Lula da Silva e o SUS teve pelo menos um efeito positivo. Atraiu o olhar jornalístico para as estruturas da rede pública que atendem pacientes de câncer.
Repórteres foram a hospitais e puderam notar, e depois reportar: o atendimento é defensável e o povo não está desassistido.
Há problemas? É evidente. Poderia melhorar muito? É claro. Mas daí a dizer que o tratamento de câncer no SUS é uma droga vai uma diferença e tanto.
E conforme a realidade se impõe o foco da crítica sofre um ajuste: o problema não seria a má qualidade do serviço, mas a oferta insuficiente e as filas de espera.
Sim, de fato é um problema, e os governos deveriam investir mais. E estão investindo. Em todos os níveis. Aliás, estão de língua de fora, desesperados para encontrar novas fontes de financiamento.
O piadismo sobre o câncer de Lula e o SUS alimenta-se também de preconceito social. Digo e provo. Na longa luta contra a doença, José Alencar nunca foi alvo de nada parecido. Talvez por ser sabidamente rico, por ter dinheiro para pagar o dispendiosíssimo tratamento privado.
Não houve campanhas tipo #ZeAlencarnoSUS. Não houve tampouco qualquer episódio de jornalismo especulativo na linha “o que acontece se ele morrer”.
Mas o nó górdio está em outro canto. Como naquelas peças engajadas na universidade nos anos 1960 e 1970, uma hora o teatro acaba, alguém levanta na plateia e lança a pergunta: “Legal, gostei, mas qual é a proposta?”.
Ando mesmo meio saudosista, então vou explicar. À encenação da peça precisava seguir-se uma proposta de abordagem revolucionária da realidade injusta e opressiva.
Uns diziam que só a luta armada resolveria, já outros preferiam apostar na organização das massas e na luta político-eleitoral.
Vou fazer como naqueles bons tempos. Depois que se cansarem do teatro, das piadas e da desopilação hepática, gastem um tempinho para raciocinar e esclareçam: qual é, afinal, a proposta?
Há três soluções possíveis. Uma saúde 100% estatal, uma 100% privada e uma mista.
Duvido que algum, unzinho só dos piadistas do câncer alheio defenda a primeira opção. Mas deveriam. Seria lógico, coerente.
Pois não há como financiar pelo Estado um sistema que ofereça a cada brasileiro tratamento e serviço de hotelaria no nível, por exemplo, do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo.
Se a saúde brasileira fosse completamente estatal, talvez com sorte ela atingisse em toda a extensão o nível de excelência hoje observado nos equipamentos de ponta da área pública. Com muita sorte.
E muito, mas muito dinheiro mesmo. Dinheiro que aparentemente a sociedade não está disposta a entregar ao governo.
Já uma saúde 100% privada seria impensável, social e politicamente inviável. De novo, apontem-me um, unzinho só dos críticos do SUS que proponha, em campanha eleitoral, acabar com o sistema.
Simplesmente não há. É uma ideia mais apropriada ao mundo da lua.
Sobra então tentar aperfeiçoar o SUS. E para isso é preciso mais dinheiro. Trazendo recursos de outras áreas.
Ou aumentando impostos. E fazendo os planos de saúde pagarem pelo atendimento que seus pacientes recebem na rede pública. Isso daria uma bela mão.
Não sei quem está pagando o tratamento de Lula. É assunto privado dele, dos médicos dele e do hospital que o atende. Talvez o plano de saúde do ex-presidente cubra.
E certamente não lhe faltarão recursos privados para tratar-se, se for necessário, se quiser fazer coisas que o plano não cobre.
Escrevi outro dia que Lula poderia ter optado pelo Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, o Icesp. Uma boa herança dos governos do PSDB. Mas se Lula tem plano de saúde e fontes de recursos para tratar-se no Sírio, fez bem em ir para lá.
Pois deixou de ocupar no Icesp uma vaga, que agora irá servir a alguém que não pode pagar o Sírio.
ViagemNos próximos dias estarei em viagem à Antártida, a convite da Marinha. Até a volta.
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