Por uma federação de fato
MARCO MACIEL
JORNAL DO COMMÉRCIO - 04/11/11
Sem querer penetrar no DNA de nossa federação, poderia afirmar que ela padece de "debilidade congênita". Diversamente do que ocorreu nos Estados Unidos da América do Norte, cuja Constituição inspirou, e muito, aos homens públicos brasileiros, nossa federação não é filha de um genuíno "pacto federativo", para usar expressão tão em voga. Fácil é concluir: possuímos uma federação legal, não uma federação real.
Convém não deslembrar, talvez por constituirmos País de grande expressão territorial, que a descentralização, leia-se a organização do Brasil sob a forma federativa, foi aspiração que permeou muitos dos movimentos significativos de nossa história, da qual são exemplos a Inconfidência Mineira e os de 1817 e 1824 ocorridos em Pernambuco.
Ao longo de nossa vida republicana, tisnada por tensos períodos de instabilidade política, todas as nossas constituições prescreveram ser a Federação cláusula pétrea - insuscetível de alteração, portanto -, embora a Carta 1937, outorgada por Getúlio Vargas no bojo do golpe por ele desfechado, haja limitado a autonomia político-administrativa dos Estados.
É evidente, pois, existir no Brasil um denso e profundo sentimento federativo. Todavia, a sociedade percebe agora a erupção de conflitos distributivos - partilha dos royalties provenientes da exploração do petróleo na camada pré-sal, critérios de rateio das transferências federais, indexador das dívidas dos Estados com a União, e a guerra fiscal do ICMS - aluindo as bases do Estado Federal, apesar de a Constituição de 1988 haver buscado robustecer os Estados e erigido os municípios à condição de entes federados. Portanto, promover a reengenharia do Estado Federal é contribuir para consolidar as práticas democráticas, vez que a descentralização é mecanismo essencial para assegurar a plena cidadania. Precisamos construir no Brasil um modelo federativo que seja compatível ao mesmo tempo com a igualdade jurídica dos Estados, a superação das assimetrias econômicas e desigualdades sociais e a preservação da diversidade cultural.
Falta ao Estado brasileiro um embasamento político, uma doutrina estabilizadora dos interesses sobre a qual possa assentar-se o edifício de instituições que reflitam o equilíbrio federativo reclamado pelas exigências dos avanços já alcançados a partir da consolidação da democracia (Constituição de 1988) e da higidez da economia (Plano Real).
Assim, ao Senado, que na República cumpre a função de ser a "Casa da Federação", cabe a ingente tarefa de aprimorá-la e desenvolvê-la em parceria com os demais Poderes da República e entes federados.
Marco Maciel é membro da Academia Brasileira de Letras. Foi vice-presidente da República, Senador e governador de Pernambuco
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