O paradoxo feminino
AÉCIO NEVES
FOLHA DE SP - 07/11/11
No país de Fernanda Montenegro, das saudosas Zilda Arns e Ruth Cardoso, das ministras Ellen Gracie e Carmem Lúcia, de Marina, Marta, Erundina, Benedita, da presidenta Dilma Rousseff e de tantas brasileiras que são referências na nossa sociedade, ainda é demasiadamente dura a vida das mulheres.
Para cada dado que suscita esperança -como a expectativa de vida, que entre elas subiu para 77 anos-, surgem indicadores que reiteram que os espasmos de prosperidade continuam a distribuir benefícios desiguais por escala de gênero, assim como de cor/raça e de instrução.
São desoladores os desequilíbrios no universo feminino radiografados no Anuário das Mulheres Brasileiras (do Dieese) e confirmados agora pelo Fórum Econômico Mundial, cujo ranking de desigualdade entre os sexos mostrou o Brasil em 82ª posição no mundo. Atrás da Albânia, Gâmbia, Vietnã e República Dominicana. Ocupamos a pior posição na América do Sul.
Nos lares brasileiros, 35,2% das mulheres são provedoras (chega a 40,6% nas zonas metropolitanas). O salário delas é 20% menor, em média (R$ 1.423/mês, contra R$ 1.718 do homem). A maioria ainda cumpre a jornada não remunerada das tarefas domésticas.
E foi dentro de sua própria casa que 43,1% das mulheres vítimas de agressão física a sofreram. Em 25,9% dos registros, os cônjuges ou ex-cônjuges são os agressores. A boa notícia é que cresceu o inconformismo: em 2006, a Central de Atendimento à Mulher registrou 46.423 atendimentos. Em 2010, 734.416.
As dificuldades e conflitos enfrentados pelas mulheres vão muito além dos revelados por estatísticas. Termina século, começa século e elas continuam com suas duplas, triplas jornadas como profissionais, donas de casa, mães, companheiras, ativistas.
É conhecido o quanto são reféns do velho dilema entre a qualidade versus a quantidade do tempo a ser dedicado aos filhos, já que intimidade e confiança requerem convivência e, portanto, disponibilidade para serem construídas. Essa realidade é ainda mais grave para as chefes de família que vivem sob o jugo da pobreza. A esses desafios se somam lutas diárias por assistência médica, moradia digna, boa escola e emprego para os filhos.
Por mais diferentes que sejam entre si, essas, entre tantas, são questões do universo feminino ainda longe de serem superadas e que precisam ser solidariamente acolhidas.
Grande parte das desigualdades enfrentadas pelas mulheres depende diretamente de políticas públicas eficientes, sobretudo nas áreas de educação, saúde e segurança. Outras relacionam-se com cada um de nós.
Até porque os desafios que erroneamente colocamos no campo feminino dizem respeito na verdade à sociedade como um todo.
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