Dilma e cuidados com a soberania
WALTER CENEVIVA
FOLHA DE SP - 08/10/11
Será melhor Dilma entregar a alguém de sua equipe o exame cuidadoso da Lei Geral da Copa, para evitar armadilhas
A Constituição do Brasil não é apenas o enunciado de disposições legais em si mesmas, integradas à sistemática de artigos e parágrafos. A distinção nela existente entre lei propriamente dita e fundamento pode ser lida no art. 1º, ao enunciar os fundamentos da República. "Fundamento", nesse caso, corresponde ao alicerce jurídico sobre o qual se constrói a estrutura do direito nacional.
O primeiro fundamento constitucional é a soberania. Ela suporta as garantias da livre atuação do Estado brasileiro. Soberania, como doutrina política ou como direito constitucional, define a plenitude do exercício do poder, no comando do espaço territorial da nação, em face de todos os países ou seus órgãos.
Antes que tudo, os presidentes da República dão atenção ao liame entre soberania e cidadania. Assim é porque o art. 1º liga o Estado soberano à cidadania. Isto é, ao povo. Este, sim, titular de todo poder, definido no parágrafo único do art. 1º. Poder que a presidente Dilma Rousseff exerce nos limites da lei.
A Carta Magna afirma quais são os fundamentos do Estado Democrático de Direito e neles destaca a soberania. Merece, nos minutos de cada dia, a atenção do primeiro mandatário da nação, ao qual compete privativamente dirigir a administração federal (art. 84). Daí a redação do art. 76: "o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República". Mescla o Poder e o titular.Ainda observa o art. 85, cujo contexto define crimes de responsabilidade decorrentes de seus atos no exercício do mandato presidencial.
O resumo feito nas linhas precedentes foi pensado depois da leitura da Lei Geral da próxima disputa da Copas das Federações e do Mundial de Futebol, no Brasil.
A Fifa, seguindo o exemplo adotado na África do Sul (mas não aquele que regulou o aceito pela Alemanha), impôs longa série de exigências para alteração de leis brasileiras ou a sustação de certos dispositivos. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou a medida provisória 497/10, convertida na Lei n. 12.350 de 2010, a qual trata do assunto em 62 artigos.
Caberá a Dilma Rousseff o cumprimento dos termos dessa lei. Deve, portanto, examinar a constitucionalidade das disposições aprovadas, tanto no caso da Copa das Confederações quanto no próprio certame mundial de futebol.
A lei ocupa arquivo de cem páginas de computador. Tem prazo de validade de cinco anos. Seu texto diz que compreende "medidas tributárias relativas à realização, no Brasil, da Copa das Confederações Fifa de 2013 e da Copa do Mundo Fifa de 2014".
A Lei 12.350 refere várias possibilidades de regulamentação ou alteração, conforme o caso. "Medidas tributárias" são apenas dispensas, isenções, liberações de pagamento, ou seja, benefícios da própria Fifa e empresas ou entidades ligadas a ela, em termos sem maior clareza específica.
A presidente Dilma Rousseff limitou-se, por ora, a recusar a aceitação da lei referente aos direitos dos idosos na obtenção de meia entrada nos jogos.
Se, porém, ela não quiser dores de cabeça no futuro de seu mandato, será melhor entregar a alguém de sua equipe o exame cuidadoso da lei, para evitar armadilhas e perigos jurídicos que resultarão do texto imposto pela Fifa ao Brasil, fora do limite constitucional.
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