A legislação brasileira para todos
ISAIAS CUSTÓDIO
FOLHA DE SP - 08/10/11
A polêmica sobre a venda de bebidas alcoólicas e sobre a aplicação do direito a ingressos com valor menor para idosos e estudantes nos estádios durante a Copa de 2014 estabelece um confronto entre as exigências da Fifa e a legislação brasileira. Em caso de dúvidas, fico com a nossa legislação.
Por ser evento de expressão mundial, a Copa do Mundo direcionará os olhos de milhões e milhões de pessoas para a "marca Brasil". Diante disso, creio que foi um acerto nos candidatarmos e aceitarmos a incumbência de realizá-la no país em 2014 (o mesmo diria das Olimpíadas de 2016, no Rio).
É certo que há investimentos de grande magnitude que terão que ser feitos em infraestrutura de transporte, de turismo, de segurança pública e equipamentos esportivos, entre outros. Contudo, boa parte deles já é necessária; teremos simplesmente um argumento a mais (com prazo determinado) para efetuá-los. Nessas circunstâncias, viva a Copa do Mundo de 2014 no Brasil!
Isso não significa que tenhamos que nos dobrar às exigências da Fifa ou de qualquer outra organização de eventos supranacionais.
Estudos científicos mostram que o uso exagerado de bebidas alcoólicas tende a exacerbar comportamentos antissociais e mesmo criminosos. O seu consumo é um dos grandes problemas a serem atacados pela sociedade para a redução da violência -tanto sob a forma dolosa (intencional) quanto sob a culposa, em que normalmente se enquadram os acidentes de trânsito.
O consumo de bebidas alcoólicas em locais fechados com grande concentração de pessoas, como estádios do futebol, gera riscos muito grandes. Infelizmente, brigas e quebra-quebras são cenas comuns nesses cenários de aglomeração -para elas, contribui de forma decisiva o álcool. O Estatuto do Torcedor, em boa hora, estabeleceu a proibição desse consumo, conquista da qual não devemos abrir mão, ainda mais durante a Copa de 2014.
Quanto aos ingressos, o Estatuto do Idoso (uma lei federal) estabelece, para os que têm mais de 60 anos, o direito ao acesso preferencial a eventos artísticos, culturais, esportivos e de lazer, com redução de preço nos ingressos. Legislações estaduais e municipais concedem o mesmo direito a estudantes regularmente matriculados.
Ainda que haja bons argumentos para tratar a questão no âmbito exclusivo de uma relação entre fornecedor e consumidor -da qual o Estado, portanto, deveria ficar à margem, a menos que subsidiasse a diferença entre o preço do bem ou serviço e o valor pago pelo consumidor-, a discussão deve ser realizada em outro contexto, um pouco menos simplista.
O que o Estatuto do Idoso visou preservar foi a possibilidade de esses cidadãos continuarem a ter acesso a determinados bens ou serviços mesmo depois de terem sua capacidade laboral e de renda reduzida. Tal tratamento é conferido ao idoso em inúmeros outros países.
E quanto aos estudantes? A redução dos preços, nesse caso, não seria um privilégio. É uma questão mercadológica: os próprios organizadores desses eventos deveriam ter interesse em oferecer abatimentos como forma de criação e manutenção do mercado desses bens. Ou seja, com vistas à fidelização mercadológica do adulto no qual o jovem se transformará quando estiver inserido no mercado de trabalho e com renda suficiente para ampliar o seu leque de acesso ao mercado de consumo.
Os produtores de shows artísticos, os vendedores de obras de arte e os agentes de turismo sabem bem do que estou falando. Creio que os dirigentes de futebol também...
ISAIAS CUSTÓDIO é professor do departamento de administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP.
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