O ouro do futuro
CRISTOVAM BUARQUE
o globo - 08/10/11
Nos séculos XVIII e XIX os reis portugueses usaram o ouro do Brasil para financiar o consumo de suas Cortes, industrializando a Inglaterra. Nenhum deles merece ser responsabilizado pelo desperdício de mais de mil toneladas de ouro, porque não tinham conhecimento da revolução industrial em marcha na Inglaterra, não sabiam que o ouro se esgotaria, não tinham noções de economia, nem tinham técnica para projetar o futuro.
Dois séculos depois, o Brasil ganha na loteria outra vez: a natureza nos presenteia com reservas de um novo ouro. Desta vez, sabemos que o petróleo se esgotará, ou ficará obsoleto, ou proibido por razões ecológicas. Sabemos também que o conhecimento é a base para a Nova Revolução Tecnológica em andamento e sabemos que, se não usarmos corretamente os recursos desse novo ouro, o Brasil perderá, mais uma vez, a chance de transformar os recursos naturais em desenvolvimento social, cultural e econômico.
Desta vez, nossa história não perdoará os responsáveis: em primeiro lugar, a presidente, depois, governadores, senadores e deputados federais.
Foi pensando nessa situação que o senador Aloysio Nunes e eu apresentamos o projeto de lei ao Senado, o PLS 594/2011, com a proposta de que o fluxo de renda dos recursos do Pré-Sal seja transformado em capital permanente e que sua rentabilidade, e só ela, seja usada para financiar o capital do futuro: o conhecimento.
Se os reis de Portugal tivessem utilizado as mil toneladas de ouro para criar um fundo como esse, o ouro poderia até hoje estar em mãos de portugueses. E se tivessem aplicado o rendimento na educação de base e na infraestrutura científica e tecnológica, Brasil e Portugal teriam uma posição completamente diferente no mundo.
A maneira como o petróleo do Pré-Sal será usado, para gastos correntes ou para investimento na transformação radical da economia e da sociedade brasileiras, vai depender das decisões que tomarmos nos próximos dias. Nós não seremos perdoados se queimarmos o petróleo para fazer energia e queimarmos, a cada ano, a renda que ele gera para o consumo imediato.
O nosso projeto (que tem por base emenda não acatada, apresentada ao PL 16/10, com o senador Tasso Jereissati) é uma contribuição ao futuro do Brasil. Contribui também para que os nomes de nossos dirigentes, começando pelo seu, fiquem na história do Brasil de uma maneira completamente diferente daquela dos reis de Portugal, que, então, não tinham as informações de que hoje dispomos.
Este PLS 594/2011 está ancorado em dois pilares. Primeiro, o dinheiro dos royalties e da participação especial formariam o Funpei - Fundo do Petróleo para Formação de Poupança para Educação Básica e Inovação. O Funpei não criará perda para os entes federativos, em relação à arrecadação que eles tiveram em 2010. Caso as projeções da exploração do Pré-Sal se concretizem, a capitalização acumulada do Fundo deve chegar aproximadamente a R$115 bilhões em 2020, sendo R$40 bilhões só de aporte novo, no mesmo ano. O segundo pilar sustentará a Educação de Base e a Inovação Tecnológica, fazendo do Brasil um país com elevada qualificação educacional e capacidade de competição no mundo da economia do conhecimento.
Para isso, os gastos originados do Fundo serão complementares - não substituem os gastos em Educação Básica determinados pela Constituição Federal - e criam um comitê gestor específico formado pelos ministérios da Educação, da Fazenda, do Planejamento e da Ciência e Tecnologia.
A lei 12.351/10 que cria o Fundo Social não evita a exaustão que virá com o fim das reservas de petróleo e pulveriza os recursos, uma vez que são destinados a vários setores. Pode-se prever que os resultados não serão mais expressivos do que aqueles deixados pelo ouro no passado. Sobretudo, depois do veto ao parágrafo segundo do artigo 47, da lei 12.351/10, que destinava 50% dos recursos do Fundo Social para a "educação pública, básica e superior, sendo o mínimo de 80% (oitenta por cento) destinado à educação básica e infantil".
Este novo PLS, que estamos apresentando, é a alternativa capaz de transformar o petróleo em conhecimento. Temos a chance de evitar o erro dos dirigentes portugueses e promover a transformação do petróleo em inteligência e capacidade inovativa.
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