A foto
UGO GIORGETTI
O Estado de S.Paulo - 23/10/11
Dizem que uma fotografia vale por mil palavras. Não concordo. Às vezes vale por mais. Tivemos uma dessas, na edição de sexta deste jornal, feita em Itaquera. Grande, ocupava quase metade da página, por isso acho que muitos leitores ainda se lembram dela. Todo mundo sabia que S.Paulo iria abrir a Copa, menos, suponho, os fotografados: Cafu, Ronaldo, o prefeito Kassab, o governador Alckmin, Andrés Sanchez.
Atrás deles aparecem operários, retardatários, aspones e curiosos de várias plumagens. O lugar é uma sala de TV improvisada para o anuncio da sede de abertura da Copa de 2014. A foto é do momento solene com todos devidamente eufóricos, mas de maneiras diferentes. Começando com Cafu, a primeira pergunta que ocorre é o que ele estaria fazendo ali. Capitão de seleções vencedoras, é verdade, mas, ao mesmo tempo, ligado profundamente ao S.Paulo, clube onde viveu seus melhores anos no Brasil, jogando, aliás, no mesmo estádio ignorado absurdamente pela Fifa.
Não sei, mas percebo nele um aplauso protocolar e um sorriso acanhado, mecânico, como de alguém que pensa em outra coisa. Talvez estivesse pensando naquele momento em Telê Santana, o treinador que o formou, e o que aquele mineiro de ferro estaria achando daquilo tudo. Ou pensasse nas ações que patrocina na sua própria periferia da infância, sem festa ou comemoração.
Continuando vemos Ronaldo Fenômeno. Levanta um pouco as mãos num gesto preguiçoso que esboça prováveis palmas que talvez nunca tenha chegado a completar. Nem se digna fingir a euforia combinada. Sorri apenas, um sorriso à vontade de alguém que, divertido, mais observa do que participa daquela festa provinciana. Sabe que já viu coisa melhor. Acostumado a Madri, Milão, Barcelona e Paris, ri um riso quase irônico. Poderia estar ali ou no Maracanã, no Mineirão ou em qualquer lugar. É um homem do mundo, que em algumas ocasiões não consegue mais disfarçar o tédio.
Seguindo-se a Ronaldo, vem o nosso prefeito. Vestido de maneira cuidadosamente esportiva, própria para a ocasião, fica no meio-termo, como convém a um homem que passa ao largo da esquerda, do centro e da direita. Levanta os braços e comemora muito a surpreendente escolha. Só com os braços, porém. Não se levanta e mantém a cabeça um pouco baixa, como se procurasse mais alguma informação num invisível aparelho de TV. Ri riso medido. Exatamente no meio-termo entre a euforia e a discrição.
O governador Alckmin é o mais entusiasmado. Como sempre, não dispensou o paletó e gravata e pode ser que se tenha arrependido, embora tarde demais, quando já estava na terra batida do Itaquerão. Por via das dúvidas, resolveu eliminar qualquer formalismo levantando-se do banco e aplaudindo furiosamente com os dois braços erguidos e riso incontido. É o único que, levado pela emoção, não se pôde conter e ergueu-se do banco num impulso.
Do lado dele está Andrés Sanchez, que comemora realmente, e tem o que comemorar. Não se ergue do banco, nem sorri, mas grita com o que lhe vem de dentro. A boca escancarada comemora com um brado como que dirigido a essa elite que outro dia recomendou-lhe um pouco mais de bancos escolares. É possível que tenha passado diante de seus olhos outros flashes, com todos os telefonemas, encontros, confabulações, jogadas e estratagemas necessários para a glória suprema de ter desbancado o Morumbi e de quebra ter conseguido para o Corinthians um estádio a preço de banana e que ainda vai abrir a Copa.
Atrás dos alegres personagens principais, num segundo plano onde se distingue pouco de suas feições, estão os coadjuvantes de sempre, os trabalhadores e operários. No fim, apesar da beleza comovente da cena, tanta emoção e entusiasmo não conseguem impedir a pergunta: com o Morumbi fora da jogada, com o Pacaembu destinado a se tornar uma loja de departamentos ou uma igreja, com o Parque Antártica em escombros, o que poderia ser uma outra escolha para abrir a Copa, que gerasse tanta angustia e expectativa nesses homens ilustres? O Canindé?
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