Pacificaram as estatísticas da morte no Rio
ELIO GASPARI
FOLHA DE SP - 23/10/11
O economista Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, concluiu um trabalho intitulado "Mortes violentas não esclarecidas e impunidade no Rio de Janeiro". Ele demonstra que, desde 2007, as estatísticas de segurança no estado sofreram um processo de pacificação.
Segundo os números oficiais, os homicídios caíram de 7.099, em 2006, para 6.304, em 2007, e 5.064, em 2009. Beleza, uma queda de 28,7%. Cerqueira foi atrás de outro número, o das mortes violentas provocadas por causas externas "indeterminadas". O cadáver vai ao legista, e ele não diz se foi homicídio, acidente ou suicídio. Até 2006, a taxa do Rio caía de 13 para 10 mortos para cada cem mil habitantes. A do Brasil, de seis para cinco, onde permanece. Em 2007, início do governo de Sérgio Cabral, os "indeterminados" passaram a ser 20 para cada cem mil habitantes. Em 2009 foram 22, ou seja, 3.615 almas. Com 8% da população do país, o Rio produziu 27% dos "indeterminados" nacionais.
Entre 2000 e 2006, o número de mortos por armas de fogo, sem que se pudesse dizer se foi acidente, suicídio ou homicídio, baixara para 148. A partir de 2007, os casos "indeterminados" cresceram e, em 2009, chegaram a 538, um aumento de 263%. São Paulo, com uma população três vezes maior, registrou 145 casos.
Cerqueira foi além. Buscou o perfil das vítimas registradas expressamente como de homicídio, acidente ou suicídios. Geralmente, de cada dez pessoas mortas por causa externa violenta, oito foram assassinadas. Essa vítima tende a ser parda e jovem, tem baixa escolaridade e morre na rua. Comparou esse perfil com os dos "indeterminados" e foi na mosca. Ele morreu de tiro, estava na rua, era pardo e tinha entre 4 e 7 anos de estudo.
Fazendo o mesmo teste com os "indeterminados" anteriores a 2006, o economista estimou que no Rio, na média, pacificavam-se 1.600 homicídios a cada ano. Em 2009, pacificaram-se 3.165.
Com a palavra, Daniel Cerqueira:
"Um último número chama a atenção, por ser completamente escandaloso, seja do ponto de vista da falência do sistema médico legal no estado, seja por conspirar contra os direitos mais básicos do cidadão, de ter reconhecido o fim da sua existência: apenas em 2009, 2.797 pessoas morreram de morte violenta no Rio de Janeiro, e o estado não conseguiu apurar não apenas se foi ou não um homicídio, mas não conseguiu sequer descobrir o meio ou o instrumento que gerou o óbito. Morreu por quê? Morreu de quê?".
Num exercício que não é da autoria de Cerqueira, se o Rio tivesse permanecido na taxa de "indeterminados" de 2006 e se 80% dos pacificados de 2009 fossem classificados como homicídios, a feliz estatística daquele ano passaria de 5.064 para 7.956 mortos.
Os números dessa pacificação saem dos serviços de medicina legal dos sistemas de segurança dos estados e dos municípios, mas as tabulações nacionais são concluídas pelo Ministério da Saúde. Se os doutores de Brasília percebessem que estão propagando informações desprovidas de nexo, como se rinocerontes se banhassem na Praia do Arpoador, algumas auditorias seriam suficientes para acabar com a distribuição de gatos como se fossem lebres.
Serviço: "Mortes violentas não esclarecidas e impunidade no Rio de Janeiro" está no site do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A encruzilhada do julgamento do mensalão
Pelo menos uma pessoa suspeita que foi sondada para uma das vagas surgidas no Supremo Tribunal Federal, e lhe perguntaram o que achava do processo do mensalão.
Essa esperteza é perigosa. Primeiro porque, revelada, avacalha o governo e a escolha. Além disso, muitas vezes não funciona. O convidado pode dizer uma coisa hoje e outra ao julgar o caso.
A direita americana aprendeu isso em 1990, quando o presidente Bush I nomeou para a Corte Suprema o juiz David Souter, um solteirão solitário que só lia jornais aos domingos, tinha TV em preto e branco e vinha avalizado pelos conservadores de New Hampshire.
Souter desequilibraria a Corte, em favor dos republicanos, mas deu-se o contrário. Ele ajudou a conter a ofensiva contra o direito das mulheres ao aborto e em 2000 votou com a minoria contra a decisão que deu a Presidência dos EUA a Bush II. Um dia vai-se saber o tamanho de sua amargura. Souter ficou na cadeira por mais nove anos. Eleito Obama, renunciou, entregando a vaga a um presidente liberal.
O ministro Joaquim Barbosa concluirá o relatório do mensalão ainda este ano, e, pelo andar da carruagem, o processo chegará ao final em 2012, tornando-se uma encruzilhada no calendário político.
Casos esparsos de corrupção e manifestações de rua continuarão a pipocar, ao sabor das malfeitorias dos companheiros mas, nos dias do julgamento, haverá gente na rua. Se entre os 11 juízes da ocasião houver magistrados colocados sob a suspeita de uma armação do comissariado, o governo e o Judiciário só terão a perder.
A grande briga
Seja qual for o tamanho da caverna do Ministério do Esporte (e do ervanário nela envolvido), ela é muito menor do que os intere$e$ da turma da Fifa.
A pergunta de 10 milhões de dólares é a seguinte: quem piscará primeiro, o supercartola Joseph Blatter ou Dilma Rousseff?
Pista esportiva
Há cadáveres no rastro das roubalheiras dos convênios do Ministério do Esporte.
Nas confrarias de artes marciais, o que não falta é gente capaz de quebrar o pescoço alheio.
Vassoura-Jabuti
No Parque Zuccotti, onde acampam os manifestantes do Occupe Wall Street, há vassouras. Todas velhas, são usadas na limpeza do pedaço.
Na manifestações ocorridas em Pindorama, apareceram vassouras. Todas novas, verdes e virgens.
São jabutis. Alguém as leva para lá.
Muamar Al Clinton
O vídeo dos minutos finais de Muamar Kadhafi, ensanguentado e cambaleante, ecoa o filme de 1961 que mostrou o primeiro-ministro congolês Patrice Lumumba amarrado, apanhando antes de ser fuzilado por compatriotas rebelados.
Em 1975 uma comissão do Senado americano mostrou que a CIA trabalhava para matá-lo. Em 2002, o governo da Bélgica assumiu a "responsabilidade moral" pela sua participação no crime e pediu desculpas ao povo congolês.
O comboio em que estava o Kadhafi foi atacado por aviões americanos e franceses. Hillary Clinton disse, dias antes, que esperava a morte de Kadhafi para "breve".
Os vídeos "Lumumba Seized, Returned to Leopoldville" e "L''assassinat de Patrice Lumumba" estão no YouTube.
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