A culpa é do garçom
HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SP - 23/1011
SÃO PAULO - As novas regras para a venda de álcool criadas pelo governo paulista são mais um sintoma da pirotecnia legislativa que assola o país. Sempre que um dirigente quer abordar um problema antigo, cria uma nova lei, pouco importando se ela é mesmo necessária.
O Bandeirantes tem razão ao eleger o etilismo como prioridade na área da saúde. A bebida é, depois do cigarro, a maior assassina do planeta, contabilizando 2,5 milhões de mortes anuais. O governo também está certo em apontar o início precoce do consumo de álcool como alvo preferencial de ação. Vários estudos mostram que, quanto mais cedo o jovem começa a beber, maior a chance de ele ficar dependente.
O que não faz sentido é despejar sobre os donos de bares a obrigação de impedir menores de consumir o produto nas dependências do estabelecimento, mesmo que em companhia dos pais. Estão previstas multas e até o fechamento da loja.
Uma das razões pelas quais temos Estado e polícia é evitar que cidadãos tenham de impor a lei pelas próprias mãos, o que gera conflitos.
O despropósito fica maior quando se considera que a nova regra é ociosa. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) já prevê (art. 243) pena muito pior (dois a quatro anos de reclusão) para quem vender ou apenas entregar a menores "produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica". Aqui ao menos as responsabilidades estão mais bem repartidas. Se o pai dá bebida ao jovem, é ele, e não o garçom, que leva a culpa.
Vale observar, porém, que o dispositivo do ECA, em mais um exemplo de como leis são malfeitas, é outro desatino. Numa interpretação rigorosa, estamos impedidos de oferecer a crianças café com leite e chocolate, que contêm "componentes que podem causar dependência".
Já é hora de os governantes se darem conta de que leis são assunto sério demais para serem usadas como peça de marketing.
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