Fonte da ruptura
MIRIAM LEITÃO
Com Steve Jobs o mundo teve sua chance de reencontro com o verdadeiro sentido da economia: alguém que, do nada, cria riqueza, empregos, inovações, produtos. Jobs mudou o cotidiano, anteviu necessidades ainda não sentidas, produziu criaturas sobre as quais nos perguntamos como foi possível a vida sem elas. É difícil imaginar uma área não afetada por esse furacão chamado Steve.
Jobs é daquelas pessoas que aparecem raramente. Sua capacidade de inovação, genialidade e intensidade estão sendo objeto de reflexão neste momento de perda. Ao pensar nele a gente vai se dando conta do quanto ele comandou as mudanças pelas quais passamos.
Steve Jobs criou conceitos novos, ampliou o existente. O smartphone não foi invenção dele, mas o iPhone levou adiante as possibilidades do telefone inteligente; o tablet não foi criatura da sua empresa, mas o iPad redefiniu e ampliou o conceito. Ele não ficou só nos artefatos, porque o iTunes e o iPod redefiniram a indústria da música. A Pixar, de laboratório de efeitos especiais de George Lucas, virou o centro do novo cinema gráfico.
A imprensa está hoje repleta de reflexões inteligentes sobre a inteligência de Jobs e como isso alterou cada atividade econômica. É impossível separar, por exemplo, Steve Jobs do jornalismo como nós o conhecemos hoje. O especialista em mídia digital Jeff Sonderman publicou, na época da renúncia de Jobs, um artigo republicado agora no "Poynter." Na sua visão, nos últimos anos, a Apple de Jobs conseguiu ao mesmo tempo ajudar, transformar e criar uma ruptura na mídia. O título é um bom resumo da tese: "Como Steve Jobs mudou (mas não salvou) o jornalismo."
O jornalismo vive o desconforto das revoluções que ao mesmo tempo destroem conceitos, criam novos, e ampliam incertezas. A travessia nos últimos anos foi pontuada pela presença das infernais e geniais criaturas de Jobs. "O iPhone e o iPad criaram tendências inescapáveis. Eles não são apenas artefatos, mas toda uma nova categoria de produtos da economia do conteúdo", escreveu o especialista.
É avassaladora a presença dele em inúmeras áreas, sem dúvida, mas o interessante é também o fato de que ele incorpora uma figura indispensável à economia e ao capitalismo: o criador de eventos, produtos, necessidades e transformações. Sua ausência vem no meio de uma profunda crise econômica e num momento em que os Estados Unidos precisam reencontrar sua capacidade de criar inovadores. Em décadas passadas a economia americana permitiu o aparecimento de gênios que encubaram revoluções em garagens. Essa é a parte mais brilhante do país.
Hoje a economia mundial vive os danos causados pelas criaturas perigosas e tóxicas nascidas no mercado financeiro. Faz pouco sentido demonizar o mercado; as inovações e produtos financeiros permitiram geração de poupança, sustentaram negócios da economia real, protegeram iniciativas em todas as áreas produtivas. Mas é inegável que a crise está drenando as forças da economia americana e mundial. É lá que riquezas desaparecem e os bancos são salvos com dinheiro público em nome do bem coletivo.
A Apple afundou no período "jobless": quando seu fundador se afastou da empresa. Prejuízo, perda de capacidade inovadora, queda de valor de mercado foram o final daqueles anos sem Steve Jobs. Sua volta produziu o melhor momento da companhia. Curioso é que a Apple não foi ao governo americano pedir para ser socorrida alegando ser um símbolo nacional. Fez o mais racional: chamou seu mago de volta. Steve Jobs voltou melhor do que saiu. É como se no período em que esteve ocupado com efeitos especiais, toy stories da Pixar e os softwares da NeXT uma parte do seu cérebro estivesse voltada para a Apple, vendo-a de fora. E assim, ao voltar, ele soube entender melhor a natureza da empresa que criou, e ela, como nunca, passou a oferecer complexidades simples para o usuário. O que era sofisticado tecnologicamente tinha que virar algo capaz de ser entendido por uma criança. Meu neto Daniel, de um ano e meio, está convencido de que o melhor brinquedo do mundo é o iPad de seu pai. Os adultos descobrem todas as outras dimensões do brinquedo.
As lições do evento da queda e ascensão da Apple, do período com e sem Jobs, ensinam um pouco sobre a economia de mercado, como ela deve ser. A teia protetora do Estado, que no Brasil - mas não só aqui - salva empresas quando elas se enfraquecem, impede a saída encontrada pela Apple. Se a empresa sobreviverá ao desaparecimento da sua figura central é menos importante. O relevante é entender que será vitoriosa no futuro a economia que permitir inovações que promovam rupturas. O capitalismo mostrou mais capacidade de fazer isso ao longo da história dos saltos tecnológicos recentes, mas até nisso é preciso cuidado. "Não se deixe cair na armadilha dos dogmas, o que pode significar viver com o resultado do pensamento do outro", disse Steve Jobs, certa vez.
A história de Jobs mostra que é preciso liberar a força criativa na economia. E que o medo do fracasso - como o que rondou a Apple - pode ser o melhor impulso para o salto. Saber, como os bancos sabem hoje, que todos serão salvos ao final pelo Fed ou pelos Fundos de Estabilização não faz bem à economia.
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