Vamos pagar caro!
DAVID ZYLBERSZTAJN
O GLOBO - 07/10/11
O Congresso Nacional discute freneticamente a questão da redistribuição das atuais participações governamentais do setor de petróleo, ou seja, royalties e participação especial. Para esclarecimento do leitor, os royalties incidem sobre o valor da produção bruta de petróleo (normalmente 10%) e, conforme os termos da Lei 9.678, "a participação especial sobre a receita líquida dos campos produtores, nos casos de grande volume de produção, ou de grande rentabilidade" (ou seja, as empresas dividem os lucros extraordinários com o governo, numa taxação cujas alíquotas podem atingir até 40%, conforme o volume de produção).
Para entender um pouco a origem do imbróglio: o governo passado enviou ao Congresso proposta de mudança do modelo regulatório da exploração de óleo e gás no Brasil.
Em vez do modelo de concessão, as futuras licitações do pré-sal e de áreas consideradas estratégicas serão submetidas ao regime de partilha da produção, onde o governo torna-se proprietário de parte do óleo extraído.
Mas não os aborrecerei com questões técnicas relativas aos modelos.
Pelo novo modelo haverá uma nova forma de distribuição das participações governamentais, onde a maior concentração da riqueza petrolífera é apropriada pelo Governo federal. Em outros termos, sem entrar no mérito da proposta, trata-se de discutir o futuro do setor de óleo e gás, o que é legítimo e de acordo com os melhores princípios federativos e democráticos.
No entanto, nossos deputados ignoraram completamente o debate sobre a essência do novo modelo.
Mas engalfinham-se, como famintos, para dividir o butim resultante das receitas do petróleo. Foi sob este nobre espírito "republicano" que, espertamente, um deputado do Rio Grande do Sul, Ibsen Pinheiro, apresentou emenda ao projeto, alterando a distribuição das participações governamentais também dos contratos das concessões vigentes, ou seja, áreas que já foram licitadas, estão produzindo e pagando conforme as regras do edital de licitação e do estamento legal vigente no momento de sua realização.
O que o deputado Ibsen propõe representa a quebra de regras contratuais previamente estabelecidas, numa clara afronta aos princípios da anterioridade, da segurança jurídica das concessões e uma grave ameaça ao pacto federativo.
Podemos imaginar que, se for prevalecer a regra de muitos contra poucos, amanhã serão questionados, por exemplo, os pagamento de royalties ao Paraná por conta da exploração de Itaipu ou partir contra o Pará e rapinar o que o estado recebe da extração do minério de Carajás.
Uma outra alternativa "criativa" (aparentemente abandonada) foi propor uma compensação aos estados não produtores com a cobrança de alíquotas maiores da Petrobras e das outras empresas já atuando em áreas concedidas. Mais uma vez, a quebra das regras da licitação e dos contratos de concessão.
Quando promovemos as primeiras rodadas de licitações para a exploração de blocos de petróleo, um de nossos maiores desafios foi convencer os investidores nacionais e estrangeiros de que o Brasil estava consolidando uma cultura de respeito a regras e contratos. Ao longo destes mais de dez anos esta estabilidade no setor petrolífero nacional serviu como um dos atestados de maturidade de nossa sociedade e a entrada do Brasil no "clube" dos países sérios e confiáveis.
Resumindo, o que se discute no Congresso é alterar o passado, rasgando compromissos estabelecidos em leis e contratos. Para estes deputados, isto terá o efeito da euforia da droga, que após um primeiro momento de êxtase leva seu usuário ao fundo do poço.
Esta gente está colocando em risco a reputação de nosso país e o equilíbrio federativo. Não serão apenas os estados produtores que serão esbulhados em seus direitos.
Com o tempo, nós, brasileiros, pagaremos muito caro por esta irresponsabilidade e oportunismo. Não é possível aceitar que se ressuscite a máxima de que "no Brasil, mais difícil do que prever o futuro é prever o passado".
DAVID ZYLBERSZTAJN foi presidente da Agência Nacional de Petróleo (ANP).
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