Sarkozy, senhor da guerra
GILLES LAPOUGE
O Estado de S.Paulo - 21/10/11
Duas notícias felizes para Nicolas Sarkozy: Carla Bruni deu à luz uma menina e o coronel Muamar Kadafi foi morto, o que simboliza o triunfo da guerra empreendida pela comunidade ocidental e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) contra o tirano líbio, graças, em parte, à energia inesgotável do presidente francês.
Sarkozy, que há alguns meses vem colecionando apenas escorregões, deve dar mais brilho a essa vitória. Ele adora se apresentar como senhor da guerra. O engajamento do presidente francês na primeira fila da coalizão formada contra Kadafi é ainda mais maravilhoso porque ocorreu após longos anos de deslumbramento da França com o ex-ditador da Líbia.
Mesmo antes de assumir a presidência, Sarkozy mantinha relações afetuosas com Kadafi, que começaram em 2005, quando ele era ministro do Interior. Claro que Kadafi era um personagem nauseabundo. Já havia entrado em guerra contra a França no Chade.
Protetor do terrorismo internacional, ele explodiu um DC-10 da UTA sob o Níger, em 1989, matando 170 pessoas. No entanto, há alguns anos, um novo Kadafi havia surgido, mais gentil, humanista, tolerante. E o líbio não se contentava apenas em dizer belas palavras. Ele agia.
Em 2003, renunciou às armas nucleares. Rompeu com os terroristas. E chegou até a apoiar a guerra de George W. Bush contra o Iraque depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. Portanto, foi esse Kadafi, completamente mudado, branco como um lírio do campo, que Sarkozy, então ministro do Interior, procurou atrair em 2005.
O braço direito de Sarkozy, Claude Guéant (que depois tornou-se ministro do Interior), entrou em negociações com o ditador e estabeleceu vínculos estreitos com a polícia da Líbia para lutar contra um inimigo comum: a Al-Qaeda.
A França teve um papel fundamental na formação das "forças especiais líbias", que prenderam e torturaram os opositores de Kadafi, incluindo um grupo de enfermeiras búlgaras acusadas por Trípoli de contaminar as crianças líbias com o vírus da aids.
Em 2007, Sarkozy assumiu a presidência e sonhou em criar uma "União Mediterrânea", da qual a Líbia seria um dos pilares. Ele quis vender tecnologia a Trípoli, tanto as centrais nucleares da Areva e como os aviões Rafale.
Kadafi estava radiante e deu "de presente" as enfermeiras búlgaras, entregues à então mulher de Sarkozy, Cecília, e a Claude Guéant. O ditador cobrou pela gentileza, exigindo uma visita de Estado a Paris. Sarkozy não via malícia nisso.
Kadafi desembarcou na capital francesa com seu séquito de esplêndidas mulheres negras com adornos carnavalescos. Exigiu ficar em sua tenda das "mil e uma noites" instalada no gramado do Hotel Marigny, no centro da cidade. Sarkozy ficou "à beira de uma crise de nervos". Mesmo assim, o presidente cedeu aos caprichos do amigo Kadafi. A humilhação foi terrível, tanto que Kadafi renegou as promessas feitas e assinou contratos de algumas centenas de milhões de euros, não de 10 ou 15 bilhões como previsto.
Reviravolta. Alguns anos mais tarde, em 2011, irrompe a primavera árabe. As populações da Tunísia e Egito se libertam de seus tiranos. A França não entende nada. Balbucia. É importante dizer que os franceses eram amigos dos dois ditadores. Em 2010, a chanceler Michèle Alliot-Marie foi convidada pelo tunisiano Ben Ali para passar o Natal em Túnis. No momento das revoltas, ela propôs o envio de tropas da França para reprimir "os agitadores".
Em seguida, o primeiro-ministro francês, François Fillon, voltou do Egito, onde foi hóspede de Hosni Mubarak. Tudo indicava que Paris não se envolveria na primavera árabe, mas a providência às vezes é sábia e uma nova revolta explodiu na Líbia.
Foi um francês, um filósofo de esquerda, Bernard-Henri Lévy, quem telefonou de Benghazi para seu amigo Sarkozy, que percebeu uma oportunidade de se recompor e assumir dois papéis ao mesmo tempo: o de libertador e o de senhor da guerra.
Ele se animou. Correu para Londres para convencer David Cameron. Juntos, conseguiram uma resolução do Conselho de Segurança da ONU. Uma semana depois, Sarkozy e o amigo Lévy estavam na escadaria do Palácio do Eliseu. O presidente reconhecia oficialmente o Conselho Nacional de Transição (CNT), de Benghazi. A chancelaria nem mesmo tinha sido avisada.
Para Sarkozy, o ganho seria duplo. A Líbia apagaria todas as baixezas de duas relações com Kadafi. Ele se transformaria no amigo dos "povos oprimidos". E lá estava ele, liderando a coalizão internacional contra o mesmo Kadafi que ele, há muito tempo, tentava loucamente seduzir.
No início de setembro, foi realizada em Paris uma conferência de 60 países para debater o futuro de uma Líbia sem Kadafi. No mesmo Hotel Marigny. Através das vidraças, os participantes puderam ver o histórico gramado onde, três anos antes, acompanhado de seus vizires, mordomos, guardas, oficiais, espiões, policiais e amazonas, Kadafi instalou sua bela tenda. Um sucesso para Sarkozy. Depois de vários saltos perigosos no vazio, ele se recompõe. Salve o artista! Salve o acrobata! / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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