ICMS e tensões federativas
CLÓVIZ PANZARINI
FOLHA DE SP - 21/10/11
A regra da unanimidade para a aprovação de convênio concessivo de favores fiscais de ICMS implica, por óbvio, poder de veto de qualquer unidade federada que se julgue prejudicada pela proposta, exatamente para evitar a guerra fiscal. De ressaltar que a aprovação das "diretivas"relacionadas ao Imposto sobre Valor Agregado na União Europeia exige,também,unanimidade.O problema é que essa regra não" pegou"no Brasil e os Estados, sempre com a justificativa de que o governo federal não tem política de desenvolvimento regional, vêm impunemente desrespeitando a Constituição ao conceder unilateralmente benefícios de ICMS a investidores selecionados, o que ofende um dos mais importantes preceitos que devem prevalecer num sistema tributário decente,o princípio da isonomia: com a guerra fiscal tem-se,concorrendo no mesmo mercado, produtos idênticos com cargas tributárias diferentes. As empresas que não gozam de regalias tributárias e pagam normalmente o ICMS perdem competitividade e são instadas a também sedes locar para esses paraísos de ICMS, sob risco de falência, o que tem provocado perigosas tensões federativas.
Em junho,o Supremo Tribunal Federal, julgando14AçõesDiretasdeInconstitucionalidade sobre a matéria, declarou inconstitucionais 21 leis e decretos estaduais concessivos de benefícios fiscais de ICMS. No primeiro momento, essa decisão deixou governos estaduais apreensivos,em razão das graves consequências dela decorrentes - entre outras, a possível obrigatoriedade de cobrança do imposto renunciado irregularmente, o que resultará em quebra generalizada das empresas agraciadas com mimos de ICMS-,e parecia deixar antever o fim da guerra fiscal e o início de uma discussão mais séria sobre reforma tributária. Ledo engano. Passado o susto inicial, os jornais voltaram a noticiar à mancheia investimentos cuja localização tem sido decidida no contexto do leilão de benefícios fiscais de ICMS.
Agora,os Estados guerreiros, para legalizar o descumprimento da regra, querem mudar o rito de aprovação de benefícios de ICMS acabando com a exigência de unanimidade( poder de veto)das unidades federadas prejudicadas por propostas de benefícios que quebrem a isonomia tributária. Tramita na CâmaraoProjetodeLeiComplementar85/ 11, de autoria de representantes de Pernambuco e Goiás, que estabelece novas regras relacionadas a convênios entre Estados para a concessão de benefícios de ICMS. De acordo com o projeto, o quórum para aprovação desses benefícios passa a ser, cumulativamente, a maioria absoluta dos Estados representados e a aprovação de pelo menos um Estado de cada uma das cinco regiões geoeconômicas do País. Aprovado o projeto, os Estados sem base industrial consolidada poderão alegremente legalizar seus "programas de incentivos fiscais de ICMS" (bastam 14 votos, sendo ao menos 1 de cada região) para atrair indústrias para seus territórios.
Os Estados industrializados assistirão, inermes,à deterioração da competitividade de seu parque industrial. É a legalização da guerra fiscal. Quatorze Estados poderão, por exemplo, decidir que fica misentas de ICMS as operações interestaduais com veículos automotores.
Ou com soja em grão! É, sem dúvida, o golpe de misericórdia no exótico sistema tributária brasileiro.
ECONOMISTA, SÓCIO DA CP CONSULTORES ASSOCIADOS LTDA. (WWW.CPCONSULTORES.COM.BR), FOI COORDENADOR DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA DO ESTADO DE SP
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