E durma-se com um barulho desses
FERREIRA GULLAR
FOLHA DE SP - 09/10/11
Pode ser que, por causa da idade, meus ouvidos, com o passar dos anos, tenham se tornado mais sensíveis. Ao que eu saiba, porém, com a idade o sujeito tende é a ficar surdo, ouvir menos. Ou serão os nervos? Pode ser: ouve menos mas, em compensação, é mais vulnerável.
Seja por que for, o que importa é que barulho se tornou para mim uma coisa quase insuportável. E quando é gente que fala alto, fico particularmente irritado, porque aí é barulho que tem cara, boca, bigode e barba, não é o barulho burro do caminhão da Comluerb, compactando lixo debaixo de minha janela às 11h40 da noite.
Fala-se muito da poluição provocada pela queima de combustíveis nas ruas; do lixo que empesta os bairros do Rio de Janeiro, certamente uma das cidades mais sujas do mundo. E têm toda razão. Pouco se fala, porém, da poluição sonora, que não é menos perniciosa, não apenas à saúde física como psicológica das pessoas, estressando-as, quando já desgastadas estão pelas tensões da cidade grande.
Sem dúvida alguma, vivemos na civilização do barulho. No passado, quando a barulheira era menor, essa expressão "do barulho" soava como elogio. É que barulho, naquela época, era sinônimo de repercussão. Hoje, até a música, em muitos casos, virou barulho, estridência quase insuportável. Já isso se deve, em parte, à invenção da guitarra elétrica e das caixas de som de alto poder emissor.
Por essas considerações, o leitor já teve ter concluído que estou longe de ser um cidadão integrado na idade do rock. Mas, verdade seja dita, apesar do recente Rock in Rio, já não é essa a causa da poluição de que me queixo.
Admito que, com a idade, fui me tornando mais sensível aos barulhos em geral, até mesmo à gritaria do cara que atende ao celular, ao meu lado, no caixa eletrônico e me faz esquecer o código do cartão. Contenho-me para não repetir a ele aquela frase com que meu amigo Guaxito gozava os colegas de jornal que falavam berrando ao telefone: "Avisa ao coleguinha aí que já inventaram o telefone".
Às vezes tenho a impressão de que vivo em meio a uma população de surdos, aos quais nenhum barulho incomoda. Pelo contrário, gostam dele e odeiam o silêncio, enquanto eu, estranho no ninho, vivo em busca de um recanto silencioso qualquer, seja um banheiro de restaurante, seja um elevador de edifício comercial. E me dou mal, pois, agora, até em elevador tem música tocando.
Isso é outra coisa que não entendo. O mundo inteiro hoje parece acreditar que todas as pessoas desejam ouvir música vinte e quatro horas por dia. Se não bastasse o elevador e o banheiro, agora tem música também tocando nos supermercados. Essa foi a desagradável novidade que me surpreendeu, ao entrar num deles aqui perto de casa para comprar leite, pão e umas garrafinhas de Malzebier, minha mais recente mania.
O novo gerente descobriu que vai vender mais infernizando as pessoas com música alta e atordoante. Ele não entende que as pessoas têm necessidade de se concentrar para avaliar o que estão comprando, além de encontrar ali um de refúgio à barulheira dos ônibus, que tomam conta da rua.
Devo admitir, porém, que a isso já estou quase adaptado, a não ser quando passa um gorducho montado numa motocicleta com cano de descarga aberto, deliberadamente disposto a me estourar os ouvidos.
E vejam vocês: as fábricas produzem essa espécie de moto, com canos de descarga feitos de propósito para gerar o máximo de barulho possível. E os ecologistas não estão nem aí, como se a poluição sonora não contasse.
É a impressão que tenho, pois não vejo nenhuma passeata protestando contra o excesso de barulho na cidade. E não só isso, o próprio governo contribui para nos atordoar.
Existe coisa mais insuportável que sirene de carro do corpo de bombeiros? Na verdade, existe, se não mais insuportável, pelo menos igual: a sirene dos carros de polícia e das ambulâncias.
É preciso alguém dizer a esse pessoal que a sirene é apenas para advertir o motorista do carro da frente a ceder passagem. Não é para enlouquecê-lo.
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