O engodo da Selic
AMIR KHAIR
O ESTADÃO - 09/10/11
Ambos pecam, pois atribuem à Selic o poder mágico de controlar a inflação. Será que controla? Não creio, mas vamos avaliar à frente.
1. Posições - Os guardiões da inflação, liderados pelo mercado financeiro, veem inflação crescente devido ao que consideram excesso da demanda em relação à oferta interna.
Para combater a inflação advogam a redução da demanda via elevação da Selic. Se o BC não mantiver a taxa básica de juros em nível elevado, perde a credibilidade e não ancora as expectativas dos formadores de preços.
Para essa corrente o País não pode crescermaisde3,5%, pois fatalmente seria rompido o teto da meta de inflação de 6,5%.
Os guardiões da inflação fazem uma verdadeira chantagem inflacionária para pressionar o BC a manter a Selic elevada. São espertos, pois apresentam argumentos de ameaça inflacionária e em seguida a solução milagrosa da Selic, remédio falso por ser a maior taxa básica de juros do mundo.
Isso é Kafkiano! A outra posição, agora defendida pelo governo, é de que a inflação vai depender dos preços internacionais, que estão em queda devido à crise, e a economia está patinando, o que reduz o potencial de demanda. Nessa situação, a Selic pode cair para um nível inferior ao atual, sem maiores problemas para a inflação.
Essa corrente defende que é possível manter a inflação dentro do limite da meta, com um crescimento de 5% e defende estímulos à economia.
A falha dessa posição é que a Selic só pode cair se a inflação externa o permitir.
O governo só foi acordar recentemente para reduzir a Selic quando viu que a economia estava indo para baixo sendo afetada pela crise em expansão.
Poderia ter ativado os investimentos das empresas não elevando a Selic cinco vezes neste ano passando-a de 10,75% para 12,50%. Errou, pois também atribuiu à Selic o poder de controle da inflação.
2. Perspectivas da inflação - Prever a inflação está sujeito a erro crescente quanto maior o período considerado.O mercado financeiro e o BC preveem inflação acima da meta de 4,5% neste e no próximo ano. É puro chute, mas é usado nas análises em debate.
Essas previsões falham mesmo para um mês à frente, como ocorreu de junho a agosto de 2010, quando o mercado financeiro previu inflação de 0,4% em cada mês e ela foi zero.
A inflação vai depender, em boa medida, do resultado entre a queda dos preços em dólares das commodities e o câmbio que depende da insegurança gerada pela crise. Por enquanto o efeito câmbio está superando a queda de preços das commodities em dólar, mas as previsões apontam para estabilizar ao redor de R$1,70 a R$1,75, o que permitiria redução nos preços das commodities em reais.
Em setembro o índice CRB, que mede os preços das commodities, caiu 10,7%, o maior tombo desde outubro de 2008, ápice da crise financeira com a quebra do Lehman Brothers. A recessão na Europa e EUA pode pôr fim a um ciclo exuberante de demanda aquecida e preços estratosféricos. Tudo dependerá em grande parte da China e uma ampla pesquisa feita pela Bloomberg apontou que a economia chinesa vai desacelerar nos próximos anos para o ritmo de 5%.
Caso a inflação média mensal de outubro a dezembro fique em 0,49%, não será rompido o teto da meta de 6,5%.
Existe essa possibilidade.
Embora o IPCA de setembro tenha sido de 0,53%, o IPC Fipe registrou inflação de 0,25% e a cesta básica ficou mais barata.
Outro fato é que a inflação traz consigo o mais poderoso antídoto para a redução do consumo, pois atua diariamente corroendo o poder aquisitivo, que só poderá se recuperar parcialmente mais à frente.
3. Engodo da Selic - Nessa discussão o que chama a atenção é que os dois lados usam a Selic para defender sua posição e ela não tem nada a ver com o problema, pois não altera o preço dos alimentos, transportes, habitação, preços internacionais, serviços, oferta de crédito e valor das prestações, que explicam a evolução do IPCA. Serve, no entanto, para desestimular os investimentos das empresas, reduzindo a oferta futura, o que a distancia da procura. Assim, em vez de atenuar a inflação a Selic a agrava.
É interessante notar mais um engodo usado para a Selic. Os guardiões da inflação procuram espertamente confundir a Selic com a taxa de juros da economia.
A distância entre elas é significativa. A taxa de juros à pessoa física estava em 46,2% em agosto e a Selic em 12,5%, ou seja, 33,7 pontos acima. No caso do cheque especial, muito usado para ampliar o consumo, estava em 188% ou 15 (!) vezes a Selic.
Outro engodo está no uso do conceito ultrapassado de taxa de juros neutra (?) como sendo a mínima necessária para conter a inflação.
Esse conceito é usado como sendo a Selic a taxa de juros da economia e o Brasil como sendo uma economia fechada, sem sofrer a influência dos preços internacionais. Sem comentários! É interessante observar que dada a distância entre a Selic e a taxa de juros do mercado, cada uma segue o seu curso, podendo caminhar em sentidos opostos, como ocorreu em 2010. Enquanto a Selic subiu dois pontos passando de 8,75% para 10,75%, a taxa de juros da pessoa física caiu 2,4 pontos passando de 43,0% para 40,6%.
O que ocorre internacionalmente é a prática de taxas de juros básicas reais (excluída a inflação) negativas de 0,5% e 1,0%, respectivamente para o grupo dos países emergentes e países desenvolvidos. E a taxa de juros da economia é da ordem de 3% acima da básica. Assim, quando a taxa básica é alterada há o reflexo na taxa de juros da economia. Na China, por exemplo, a taxa básica é de 3% e a taxa de juros da economia de 6%, a mesma da inflação.
4. Mudança - Parece que o governo felizmente acordou para o fato que a inflação não depende da Selic. Embora não diga para não assustar mais ainda o atônito e frustrado mercado financeiro, percebeu o engodo da Selic.
Provavelmente irá voltara usar as medidas macroprudenciais - abandonadas neste ano em prol da Selic - para regular o consumo ao nível da expansão da massa salarial. Assim pode pilotar com eficácia uma das pernas importantes do consumo, que é o crédito, agindo sobre a inflação e o crescimento econômico.
A Selic poderá iniciar uma gradual redução até chegar ao nível dos emergentes.
Com isso reduz a especulação externa sobre o real, não distorce o câmbio, a conta de juros cai pela metade com economia de R$ 120 bilhões (!) ou 3% do PIB. Melhora os fundamentos fiscais rumo ao equilíbrio e torna possível a redução acelerada da relação dívida/PIB, passando a brotar recursos para atender o déficit social e de infraestrutura. O País engoliu esse engodo por mais de 20 anos! Bem vinda a mudança.
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