quarta-feira, setembro 14, 2011

ZUENIR VENTURA - Eixo do mal


Eixo do mal
ZUENIR VENTURA
O GLOBO - 14/09/11

Houve um tempo em que a rivalidade Rio-SP incluía a comparação dos índices de violência. Meus amigos paulistas fingiam preocupação com a situação do "balneário decadente". Nós os acusávamos de omitir ocorrências policiais. Dizíamos que os jornais paulistanos noticiavam o que de ruim acontecia no Rio com mais destaque do que o que se passava na sua capital. Num desses últimos fins de semana em Sampa, constatei que o jogo está empatado. O recepcionista do hotel foi quem me chamou a atenção: "Nós somos vocês ontem", comentou, ao me ver lendo o noticiário sobre a onda de arrastões a bares e restaurantes que varre a cidade desde o início do ano.

"De junho para cá, nove bares e restaurantes foram assaltados na região da Chácara Santo Antonio e Granja Julieta", dizia uma matéria. "Tiroteio em Moema acaba com dois ladrões baleados", informava outra. "No Morumbi, duas mulheres foram presas por assalto." E mais: "Na Chácara Santo Antonio, na Zona Sul, registrou-se o segundo arrastão em 24 horas. Um dia após a invasão de um restaurante italiano, três criminosos renderam 20 pessoas no bar Sem Stress." Eu mesmo quase fui testemunha de uma ocorrência perto do hotel em que me hospedava na Rua Hadock Lobo, quando de manhã cedo um rapaz foi baleado durante um assalto. Em matéria de violência, Sampa parecia estar ganhando mesmo da Cidade Maravilhosa.

Viajei de volta dizendo como Ancelmo: "Deve ser terrível viver numa cidade assim." Até que fiquei sabendo o que ocorrera enquanto eu estivera fora. Perto de casa, às 11h30m da manhã, um arquiteto fora assassinado junto ao bar Garota de Ipanema, um dos mais movimentados do bairro, aquele onde Vinicius e Tom compuseram sua famosa música num tempo em que "Ipanema era só felicidade", como Vinicius cantou em outra canção. Foi o desfecho trágico de uma onda de assaltos no bairro, executados por ladrões em motocicleta ou por pivetes a pé e de bicicleta. Derrubam a vítima, arrancam o celular ou o relógio e saem correndo. Quando há resistência, matam.

Isso deve preocupar mais do que os incidentes nos morros: volta dos traficantes ao Alemão, desentendimento com moradores, casos de corrupção, que são desvios graves, mas cujo combate está no rumo certo. Não se conhece no país política de segurança tão consistente quanto a das UPPs. Já esse varejo que inferniza o cotidiano dos moradores do eixo Rio-SP, é de difícil solução.

Enigma do "país que não gosta de ler". A 15ª Bienal do Livro do Rio terminou com a presença recorde de 670 mil visitantes. No mesmo domingo, terminava também a XV Feira Pan-Amazônica do Livro, em Belém, frequentada por 500 mil pessoas, um terço da população local. Estive nas duas, e a do Pará ainda me surpreendeu mais. Em um só dia, houve o comparecimento de 65 mil pessoas - público de um estádio de futebol.

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