Poder no cenário democrático
WALTER CENEVIVA
FOLHA DE SP - 03/09/11
Muito mais difícil é recompor o equilíbrio sonhado por Montesquieu entre três ou mais Poderes
AS INDICAÇÕES e comparações possibilitadas pelo direito vigente sugerem que, no mundo atual, a tripartição dos poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) está longe do que havia no tempo de Montesquieu (1689/1755), formulador da teoria dos três Poderes. Não corresponde nem mesmo aos ideais que consolidaram a democracia norte-americana depois da Guerra da Independência (1775/1783).
A transformação colhida no processo histórico gerou criações que afastaram a tripartição substancial. Frustrou a expectativa do governo pleno, de e para todos.
As posições uniformizadas no século 21 mostram, em muitos países, predomínio mais acentuado do Executivo no regime republicano (caso do Brasil), na estrutura monárquica, no sistema presidencial puro, assim como no sistema parlamentar.
Nessa realidade, o direito foi paulatinamente alterado, para quebrar ou restringir a capacidade igualitária das correntes políticas, pois tendem -com poucas exceções- a negociar com o Executivo, cedendo sua liberdade pela troca de vantagens políticas, entre outras.
O leitor pode perguntar: em que tal predomínio é prejudicial? É muito prejudicial porque, ao ferir a concepção substancial da divisão dos Poderes sob o direito, rompe o equilíbrio interno nas ações da administração pública em sentido amplo. Poderes cuja capacidade de intervenção no comando da máquina governamental ou de segmentos importantes dela perdem substância no país, no Estado, no município. Tornam-se incapazes do exercício pleno que lhes cabe em face do Executivo, único provido de poder suficiente para tal predomínio: suficiência para legislar (impõe medidas provisórias), para gerir a máquina administrativa (tem a chave do cofre) e para obstar medidas judiciais que julgue inconvenientes, com e sem a colaboração do Judiciário.
Bem ou mal, o fato concreto está nesse predomínio. Criou-se a distância impura entre o enunciado constitucional da harmonia entre os Poderes e a predominância do Executivo, na realização da condução dos atos e das políticas de governo, segundo leis reguladoras das relações na estrutura tripartida. Um dos sintomas dessa distância está no conservadorismo exacerbado do "Tea Party" dos Estados Unidos e de segmentos das sociedades francesa e alemã, com posições que remontam à primeira metade do século 20.
A súmula feita (mesmo incompleta) será fácil de ser compreendida por quem percorre a história do século 20. Muito mais difícil é recompor o equilíbrio sonhado e composto por Montesquieu entre três ou mais Poderes aptos a desenvolver a participação nas suas áreas respectivas em igualdade de condição com o Executivo. A solução parece quase impossível a curto prazo pois, no mundo de Montesquieu, só a Europa era verdadeiramente livre. Não eram livres as Américas, a África, a Ásia e a Oceania.
O pêndulo da história depois da Revolução Russa (1917) e da crise econômica de 1929, com inovações do comunismo e do nazifascismo, nem se reequilibrou, nem uniformizou a existência de centenas de nações novas, em estruturas democráticas. Precisamos de um novo Montesquieu, apto a compreender o mundo modificado de hoje, na busca de soluções compatíveis, por exemplo, com a comunicação instantânea e universal.
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