Tempo breve
MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 03/09/11
Foi uma semana de valorizar a vida. A vivida e a por viver. De entender melhor a força da paixão que move os colegas da profissão que escolhi. Companheiros de viagem. Tem sido um tempo de intensas emoções, daquelas que sacodem, inquietam, inspiram. Separar o principal no mar dos fatos é uma das funções dos jornalistas. Tento achar o principal.
Perdi amigos. Tenho perdido gente preciosa, a maioria colhida antes do tempo, e isso me fez afinal entender o breve. O filme passa rápido pela sua cabeça fechando a obra de uma vida e você pensa: mas foi tão curto o tempo que tivemos! Pode-se pensar nisso como tristeza. Ou dádiva: o tempo dado.
Em março, foi o jornalista Sidnei Basile. Dias antes, falamos animadamente a respeito do seu livro sobre jornalismo econômico, cuja segunda edição estava preparando. A edição, finalizada pelos seus filhos, está saindo agora em outubro. Imperdível. Será fundamental para os jovens que ingressam na profissão e para quem queira saber mais dessa área específica do jornalismo, na qual tive o privilégio de ser treinada pelo próprio Sidnei.
José Meirelles Passos, do qual nos despedimos na quarta-feira, com seu bloquinho no colete de correspondente, conseguiu emplacar novidade até na notícia do seu obituário: tinha apurado por que Hugo Chávez não veio se tratar no Brasil; é que os chavistas queriam controlar até os boletins médicos. Meirelles estava cheio de pautas. Trabalhou do hospital, no meio do tratamento, fez o que fez a vida inteira intensamente: buscou informação. Numa festa, meses atrás, formamos um grupo cujo único assunto possível foi jornalismo: novas formas de buscar e entregar notícias na evolução vertiginosa do nosso tempo. Deliciosa conversa. Depois, o vi sair junto com sua Lucila andando na areia da Urca e fiquei pensando que ele jamais perderia o entusiasmo. Jamais perdeu.
Rodolfo Fernandes trabalhou num esforço heroico, mas exercido com serenidade. Ele se espantaria se a gente dissesse que aquela dedicação, para além de tanta limitação, era espantosa. Ele achava natural estar ali fechando o jornal, sempre, enquanto pudesse, até o fim. Fim que veio cedo demais.
Choveu muito quando seguimos Meirelles pelo São João Batista. A chuva baixou de repente, escurecendo o tempo às "cinco en punto de la tarde", como diz um verso de Garcia Lorca. Com tudo terminado, saímos à procura do táxi. Andando por Botafogo, no meio da chuva e do vento forte, fui tendo saudade do que não vivi: por que mesmo não parei o carro quando vi meu amigo andando na rua? Por que não reuni meus amigos no último aniversário? Por que não fiz um grupo e fui ao cinema? Prazeres delicados e breves, que adiei por falta de noção.
Dona Anna, mãe da Flávia Oliveira, tinha noção do valor de cada pequeno prazer. "Obrigada por tudo", disse para a filha ao final da peça de teatro. Flávia ponderou que era só uma ida ao teatro. "Obrigada por tudo". Foi o último teatro. Na segunda-feira, nos despedimos dela, uma instituição entre os amigos da Flávia. De Dona Anna vou guardar uma imagem soberba: ela sambando com a filha e a neta. As três gerações na pista dava gosto de ver. Guerreira, Dona Anna criou sozinha a filha única com um norte inegociável: estudar. Flávia devia estudar, era o que dizia. Deu certo o projeto e a filha virou a excelente jornalista que conhecemos. No final, estava ela mesma querendo estudar jornalismo para entender que paixão era aquela que conquistou o coração da filha. "O que é isso, filha, de: o quê, quando, onde, como e por quê?" Isso é o lead, como os jornalistas chamam o começo da notícia, o principal, as perguntas que devem ser respondidas.
O principal na nossa profissão é a busca que não cessa. Porque depois de uma notícia vem outra e outra. Matéria atrai matéria. Cada dia, o fato novo, mais notas, colunas, manchetes, análises, reportagens, revelações, artigos, ideias, pautas. E se a notícia acabar? A notícia não acaba, não. Quem já viu a chama dos que gostam de informação, que vi nos que perdi, e vejo nos que tenho, sabe que o jornalismo é eterno. Há quem fale do fim dos jornais. Está aí um medo que não me sobressalta. Vi muitas mudanças de formato, jamais o tempo revogar o essencial que é essa magia do fato novo, da boa entrevista, do segredo desvendado, da manchete que sintetiza o dia, da foto que espelha o momento, do texto redondo.
A redação tem um encanto. Nela, os fatos passam como um turbilhão, informados aos pedaços, às vezes aos gritos; suspeitas sussurradas no cafezinho. No meio de tudo, as brincadeiras. Ancelmo é craque em espantar tristeza. Inventou que era aniversário do Marceu. Não era. Mas teve comemoração de bolo de rolo. Quem não comeu perdeu.
Porque hoje é sábado de uma semana dura, resolvi que o melhor era não ser econômica. Escrevi a coluna sem pressa, porque o tempo já anda muito apressado. O noticiário econômico está recheado de fatos. Ocupavam este espaço ontem e ocuparão amanhã. Preferi pensar na união das pessoas que fizeram as mesmas escolhas, que compartilham o mesmo código, que se entendem por estarem na mesma viagem. O principal que compreendi na semana é que a amizade é um doce e misterioso
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