Implicações da decisão do Fed
MARIO MESQUITA
FOLHA DE SP - 21/09/11
A decisão do Federal Reserve (Fed), o BC dos EUA, hoje, tem implicações potenciais bastante importantes para os demais bancos centrais e para os mercados. Há grande heterogeneidade de opiniões sobre o que o Fed deveria fazer, se é que deveria tomar alguma atitude, e, mais ainda, sobre quais seriam as consequências de suas ações. Em coluna anterior, tratei dos prós e contras das diferentes alternativas de política. Hoje, vale a pena considerar as consequências no que se refere aos preços de ativos.
Nesse contexto, vale recapitular o que ocorreu depois do anúncio da segunda rodada de relaxamento monetário quantitativo (que ficou conhecido pela sigla QE2) em agosto de 2010. Nos dois/três meses seguintes, o dólar perdeu quase 8% ante o euro e 6% em relação ao iene, enquanto os preços de ações americanas tinham alta de 18%.
Já os preços das matérias-primas, resumidos no índice CRB, tiveram alta de 21% -nosso índice de commodities, IC-Br, calculado pelo Banco Central para monitorar o impacto dessas mercadorias sobre a inflação brasileira, subiu 28%.
Assim, por um lado, do ponto de vista da economia americana, o impacto do QE2 foi favorável devido ao efeito riqueza positivo proporcionado aos investidores em ações e também pelo efeito colateral de enfraquecer o dólar, ainda que este último desenvolvimento não tenha sido reconhecido como um dos objetivos da iniciativa.
Do lado desfavorável, a alta dos preços de matérias-primas gerou um efeito renda negativo para a economia americana, pois elevou os preços relativos das importações.
A elevação dos preços de alimentos e combustíveis em particular afetou tanto a renda como a confiança dos consumidores. Nesse sentido, o comportamento dos preços de commodities teve efeito contraproducente para os propósitos do Fed de revigorar a atividade econômica.
Se houve um aspecto em que o QE2 foi bem-sucedido foi a redução do risco de deflação, que, ao lado de recuperação da atividade, foi uma de suas motivações -a inflação, que estava em 1,1% nos 12 meses até agosto de 2010, chegou a 3,8% em agosto passado.
Em economias emergentes, em especial aquelas que resistiram ao processo de enfraquecimento do dólar, o impacto inflacionário foi maior, em parte porque a ancoragem das expectativas é mais frágil e em parte pelo peso das matérias-primas nas cestas de consumo. Pode-se argumentar que, desta vez, uma terceira rodada de relaxamento quantitativo teria impacto menos destacado sobre o preço das commodities. Em primeiro lugar, pois impactaria uma economia mundial mais enfraquecida -estima-se crescimento do PIB mundial de 4,4% em 2011, com viés de baixa, ante 5% em 2010. Em segundo, alguns observadores argumentam que haveria algum desgaste natural da efetividade da política em sua terceira rodada.
Por outro lado, o efeito sobre o dólar poderia ser equivalente, ou até mais intenso, com exceção ante o euro, que também tem seus problemas. Uma nova rodada de ampliação da liquidez em dólares teria o efeito de renovar a pressão sobre as moedas de economias com fundamentos fiscais e de balanço de pagamentos mais sólidos.
Em 2010, o real foi um dos destinos preferidos dos investidores. Hoje, diante das ações do governo visando tornar as aplicações externas em reais menos interessantes, e que aumentaram a percepção de incerteza regulatória no país, o mesmo poderia não se repetir. Nesse caso, teríamos o impacto de alguma elevação do preço de matérias-primas, ainda que possivelmente menor do que em 2010, sem compensação pelo lado da taxa de câmbio. O saldo líquido seria mais e não menos inflação por aqui.
Mas esse não é o único cenário. É possível que o anúncio do Fed, que em parte já foi antecipado pelos mercados, seja decepcionante, o que poderia aumentar temores quanto a um enfraquecimento adicional da economia americana, com efeitos negativos sobre os preços dos chamados ativos de risco, o que inclui os brasileiros.
Nesse ambiente de grande incerteza, a cautela tende a prevalecer sobre a ganância, limitando o espaço para tomada de posições pesadas em risco.
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