Percepções familiares do rural
ANDRÉ MELONI NASSAR
O Estado de S.Paulo - 21/09/11
O aniversário de uma pessoa da minha família produziu uma situação interessante que, a meu ver, serve de parâmetro para entendermos o que sociedade brasileira pensa sobre as questões ambientais e trabalhistas no campo. Por duas ocasiões, no decorrer do aniversário, meus primos e eu debatemos ambos os temas com profundidade. Minha família não é em nada diferente das outras de classe média com profissionais de nível superior e acesso à informação, no Brasil. Se naquele microuniverso houve um interesse espontâneo das pessoas em debater temas que são complexos e, aparentemente, estão distantes do dia a dia de cada um, chego à conclusão de que esse interesse está mais disseminado na sociedade do que normalmente imaginamos.
Vou ainda mais longe nessas conclusões. Tenho participado - e ajudado a promovê-las - de discussões sobre temas e desafios relacionados ao agro brasileiro. Boa parte dessas discussões é centrada nas questões ambientais e trabalhistas. O esforço de promover debates é uma via de mão dupla: de um lado, buscamos trazer a realidade do agro para a sociedade, com o objetivo de fazê-la entender que a relação dessa área com o meio ambiente e com o trabalho rural não pode ser vista sob um prisma unicamente urbano e que tal relação gera consequências econômicas relevantes para o setor produtivo; e, de outro, captamos o que a sociedade espera do agro nas duas questões e procuramos estimular o setor produtivo a apresentar suas ações e limitações de forma transparente.
Grande parte dos debates em que estou envolvido tem associações de classe, empresas, ONGs e pesquisadores como partes interessadas. Ou seja, predominam pessoas iniciadas e com interesses diretos no tema. E, pela amostra da discussão com meus primos, percebi que estamos desperdiçando a chance de ampliar o debate para um público sem interesses econômicos ou ideológicos no tema, mas igualmente interessado em ser informado e em expor suas visões. Diferentemente do grupo engajado, o debate com o público "desinteressado" migra para uma solução de consenso mais rapidamente.
Vamos à substância do assunto. O debate começou com um primo que é médico e genro de um produtor empresarial no Centro-Oeste. Conhecedor das propriedades do sogro, seus argumentos giravam ao redor de dois pontos: a necessidade de promover a reforma do Código Florestal e as dificuldades enfrentadas pelos produtores para atender às exigências legais nas questões de condições de trabalho. No caso do Código Florestal, ele revelou preocupação com a obrigação de recuperação das reservas legais, o que levaria a uma perda de produção e prejudicaria toda a economia da região. Da minha parte, fui solidário a esse argumento e insisti que essa é uma das razões que me levam a apoiar uma reforma. Já o primo e colega agrônomo, envolvido com projetos de agricultura sustentável, obviamente, não está confortável com essa reforma, porque julga que ela reduzirá muito as exigências de conservação que hoje são de responsabilidade dos produtores.
O primo genro de produtor também argumentou sobre as questões trabalhistas, mostrando familiaridade com as normas que regem as condições do trabalho no campo. As normas, defendeu ele, deveriam ter sido elaboradas com o objetivo de induzir os produtores a investir em melhores condições, em vez de buscar equipará-las com as regras do trabalhador urbano. Tendo em vista que a melhoria das condições de trabalho, sobretudo nas propriedades administradas de forma profissional, é uma realidade - mesmo que possa haver muito por fazer -, eu também defendi tais argumentos. Adicionei a isso uma informação técnica que é parte do resultado de um estudo que fizemos recentemente, indicando que uma limitação importante para os produtores é cumprir a jornada de trabalho e horas extras no período de colheita da safra. Admiti que, ao menos nesse quesito, é preciso repensar a legislação.
Vários contrapontos a essas posições foram apresentados. Outro primo, também médico, com experiência em fiscalizar condições de trabalho, demonstrou concordar que há uma melhoria ocorrendo. Ele insistiu, no entanto, na necessidade de regras bem definidas, porque o setor agropecuário tem um histórico de manutenção das condições de trabalho abaixo de padrões aceitáveis. Seu ponto é que foram a legislação rígida e a forte fiscalização que levaram o setor agropecuário a elevar seus padrões. Sem entrar na discussão da maior ou menor rigidez, vi que seu argumento segue na direção de que o elevado grau de exigência da legislação é fruto do que se via no campo quanto às condições de trabalho. Ou seja, a desconfiança do Estado em relação aos produtores, ao definir legislações rígidas, decorre do passado do setor, que não se mostrou capaz de implementar tais melhorias por conta própria.
Engenheiro de formação e com experiência em programas de moradias público-populares, outro primo fez coro ao argumento acima, puxando o caso dos trabalhadores da construção civil. Isto é, lembrando que existem outros setores da economia que também precisam melhorar os padrões de condições de trabalho. Um quarto primo, dentista, enquanto escutava a nossa defesa das melhorias em curso no setor, também insistiu na ideia de que os produtores não fariam melhorias nas condições de trabalho de forma voluntária.
Minha conclusão é que existe um ambiente favorável na sociedade para refletir sobre as exigências impostas ao agro nas questões ambientais, já em curso nas negociações da reforma do Código Florestal, e das condições de trabalho. Se o agro for capaz de dialogar e expor as suas limitações para cumprir as exigências que colocam sobre o setor um custo desproporcional em relação ao restante da sociedade, ou que foram inspiradas no meio urbano, a sociedade verá com bons olhos as suas propostas.
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