"Etanagem" automotiva
MARIA INÊS DOLCI
folha de sp - 19/09/11
A atitude do governo, de só agir após a crise, revela que falta energia para resolver o problema do etanol no país
Novamente, sai mais em conta abastecer os automóveis com gasolina. É uma velha história, que se repete sem a mínima graça.
Está na história do Brasil. Milhões de consumidores acreditaram no Proálcool, programa criado pelo governo federal em 1975, em meio à crise do petróleo. À medida que os preços do barril de petróleo desabaram e a cotação internacional do açúcar subiu reduziu-se a produção de etanol .
Há alguns anos, surgiram no país os motores bicombustíveis, que funcionam com gasolina e/ou com etanol . Foi um grande impulso para o consumo de etanol , que passou a ser adicionado à gasolina para reduzir a emissão de poluentes no trânsito brasileiro.
Agora, com o crescimento das vendas de veículos flex e da demanda de açúcar, o etanol , cujo litro chegou a custar menos de R$ 1, superou a marca de R$ 2.
Sem um planejamento estratégico nem um programa que priorizasse o biocombustível nacional, não houve incremento da produção para suprir todo o consumo.
Antes, elevações de preços ocorriam na entressafra, mas na safra havia uma queda expressiva de preços nas bombas. Nos últimos meses, o produto fica mais caro, independentemente do período do ano.
Ora, não é possível participar de um jogo no qual as regras sejam instáveis. Ainda mais quando o governo só se move após a crise.
Uma das medidas será reduzir de 25% para 20%, a partir de 1º de outubro, o percentual de etanol misturado à gasolina.
O governo prometeu, também, financiamento de estocagem, do plantio de cana, abertura de novas usinas e maior aproveitamento da capacidade de moagem.
Até recentemente, o etanol era tratado como produto agrícola, fora da alçada de fiscalização e de regulação da ANP (Agência Nacional do Petróleo).
Há necessidade, contudo, de uma ação mais incisiva das autoridades. Seria urgente, por exemplo, que a Petrobras Biocombustível ampliasse sua participação na oferta de álcool, por meio de usinas próprias.
Até porque a instabilidade no mercado interno também ameaça as chances de esse combustível verde ser uma opção para mercados automotivos de outros países. Mas como confiar em um produto que escasseia na própria origem?
Espero, sinceramente, que o pouco caso com os proprietários de carros flex ou a etanol não decorra das perspectivas de ampliação da produção de petróleo com a exploração do pré-sal. Seria uma falta de visão de longo prazo.
Deixar um combustível limpo, testado e aprovado, porque descobrimos novos poços de petróleo, seria um retrocesso imediatista. Não se desenvolve a indústria alcooleira com avanços e recuos.
O mundo precisa de energia limpa, renovável, que não polua direta ou indiretamente. Nós sabemos e podemos fazê-lo, mas para isso teremos de agir sempre com mais seriedade e compromisso com os consumidores brasileiros.
Em algum momento, nas próximas décadas, não haverá petróleo suficiente para toda a demanda mundial. A cana-de-açúcar é plantada e colhida anualmente, o que projeta um longo período de produção de etanol .
Caso contrário, teremos uma sequência como nos filmes de ação: "Proálcool 2 - O Fim do Sonho" ou "De Volta à Gasolina".
A propósito, é uma vergonha que o Brasil esteja importando etanol dos Estados Unidos devido à impossibilidade de atender à demanda interna.
Não adianta alegar problemas climáticos e falta de crédito. Ambos afetam todo o segmento de agribusiness. Perdemos o bonde no segmento sucroalcooleiro porque ninguém usou a calculadora para projetar consumo versus aumento das vendas de automóveis no país. Foi isso que aconteceu.
É mais um caso exemplar de incompetência pública e privada, com a conta espetada no bolso dos brasileiros, como tem acontecido sempre.
Aqui, não é a história que se repete como farsa. Com perdão do trocadilho, falta energia para resolver o problema doetanol .
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