O programa mais ineficiente do mundo
FABIO GIAMBIAGI
O GLOBO - 19/09/11
Começa a ser discutido no Congresso o Orçamento de 2012. Causa certa perplexidade que, em um Governo que procura ter na eficiência de gestão a sua marca, a imprensa não coloque os holofotes sobre a política de aumentos do salário-mínimo. A trajetória deste para o período 2012/2015 já está dada, mas é preciso que o país inicie uma discussão séria sobre o tema, para que em 2015 existam condições de aprovar uma regra que faça mais sentido do que a atual.
Por que o salário-mínimo é tão importante no Brasil? Não é difícil de entender. Para quem ganha um salário-mínimo, o interesse no assunto é óbvio. Para aqueles que ganham menos, os aumentos do mínimo são vistos como uma manifestação das autoridades de comprometimento com os mais pobres, de modo que, mesmo não sendo eles beneficiados pela política, um sentimento de classe torna-os solidários com a causa. E, para quem ganha mais, como o Brasil tem na má distribuição de renda uma chaga, a política de valorização do mínimo é vista como uma forma de beneficiar os mais pobres e atenuar os problemas sociais do país.
Levantar objeções contra os aumentos do salário-mínimo tem sido visto no Brasil como demonstração de insensibilidade. Albert Einstein já tinha notado que "é mais fácil desintegrar um átomo do que o preconceito de uma pessoa". Vamos aos números, porém. Convido o leitor a acompanhar os seguintes dados:
a) No universo de pessoas que recebem salário-mínimo no Brasil, aproximadamente 3/5 recebem o piso previdenciário ou assistencial;
b) No grupo de pessoas que recebem salário-mínimo como renda do trabalho, apenas 2% podem ser considerados extremamente pobres, com base no conceito de linha de extrema pobreza obtido a partir de linhas de pobreza regionais, e apenas 1% do grupo de pessoas com benefícios previdenciários (INSS) ou assistenciais (LOAS) pode ser considerado extremamente pobre;
c) Apenas 1% dos aposentados e pensionistas com rendimento exatamente igual a um salário-mínimo se encontra entre os 10% mais pobres do país;
d) O Brasil ainda tem 9% de pessoas consideradas extremamente pobres, a grande maioria das quais não afetadas pela política do mínimo;
e) 65% dos aposentados e pensionistas que recebem remuneração de um salário-mínimo pertencem ao grupo de pessoas que se encontram na metade superior da distribuição de renda;
f) No Nordeste - lugar que naturalmente vem à memória quando se pensa em uma região muito pobre no Brasil -, quem ganha salário-mínimo se encontra no sexto décimo da distribuição de renda, ou seja na escala 6 de 1 a 10, onde 1 é o grupo mais pobre;
g) A despesa com benefícios previdenciários e assistenciais de 1 salário-mínimo, que era de 1,4 % do PIB em 1997, alcançou 3,3% em 2010; e
h) Enquanto isso, o investimento do Governo federal, que em meados dos anos 70 era de 1,5 % a 2% do PIB, foi de 1% do PIB nos últimos quatro anos, revelando um Brasil com estradas ruins, precariedade do sistema elétrico, obras atrasadas para a Copa do Mundo e, principalmente, com um saneamento precário em muitas regiões do país.
Não estou com isto querendo dizer que o salário-mínimo é recebido pelos ricos, evidentemente. O que é importante esclarecer é que, se o objetivo da política de valorização do mínimo é chegar aos mais pobres do país, ele há muito não vem sendo atingido. Há aproximadamente 25 milhões de pessoas que recebem o mínimo no país. Não é necessário ser um craque em política para perceber a importância do assunto. Porém, é preciso que as coisas fiquem claras. Se o que se quer é melhorar a situação dessas pessoas - que, em sua imensa maioria, não pertencem ao grupo de pessoas mais pobres do país - e, como efeito colateral disso, conquistar esses eleitores, trata-se de um alvo compreensível e inteiramente legítimo. Se, porém, a prioridade nacional é combater o fato inaceitável de um país com o nível de renda média do Brasil ter quase 10 % da população composta de miseráveis, não nos enganemos: o efeito do aumento do mínimo sobre a redução da miséria é praticamente insignificante. Nesse sentido, à luz desse pretenso objetivo, infelizmente a política de valorização do mínimo com vinculação do piso previdenciário é o programa social mais ineficiente do mundo: gastam-se rios de dinheiro, com um efeito social ínfimo sobre os setores mais miseráveis da população.
FABIO GIAMBIAGI é economista.
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