O modelo precisa mudar
SUELY CALDAS
O Estado de S.Paulo 21/08/11
Mais um ministro se vai sob suspeita de corrupção. Em oito meses de governo já foram três, e outros podem tomar rumo igual. Afinal, o que está acontecendo?
Nasceu ruim, foi piorando com o tempo e hoje se desintegra de podre o modelo de aliança política entre o Poder Executivo e sua base de apoio no Congresso Nacional para garantir a tal governabilidade. Se seguir seu mandato enfrentando a corrupção, a presidente Dilma Rousseff vai perder outros ministros, o Ministério inteiro, mas vai ficar no mesmo lugar, chovendo no molhado, se não mudar esse sistema de troca de favores, do toma lá dá cá para deputados e senadores cumprirem nada mais do que a sua obrigação: votar leis.
Demitir, punir corruptos é importante, faz parte do enfrentamento, mas não basta. É preciso dar um salto à frente, agir no plano institucional, criar normas e leis que moralizem (e normalizem) a convivência do Executivo com o Congresso. E que protejam os brasileiros de políticos desonestos que fazem da vida pública um trampolim de negócios, seja para seu próprio enriquecimento, seja para financiar campanhas eleitorais de seus partidos, vencerem eleições e seguir reforçando o trampolim para o próximo pleito.
Não precisa rotular de reforma política - expressão que apavora parlamentares ciosos em defender com unhas e dentes seus privilégios e vantagens. Um caminho seria separar o que pode ser mudado por simples ato administrativo, o que depende de um projeto de lei ou de uma emenda constitucional, tocar o barco nos três planos de decisão e começar a fechar as brechas por onde escorrega a corrupção.
O governo FHC foi bem-sucedido na estratégia do passo a passo, em ações separadas. Pena que seu alvo mirou apenas os abusos de gestão no Executivo federal, de governadores e prefeitos, e poupou o Congresso. Começou por mapear os ralos por onde escorria o dinheiro público e partiu para fechá-los. O maior deles eram os bancos estaduais, usados por governadores para fabricar dinheiro, emitindo títulos e expandindo a dívida do Estado. Quando uma eleição se aproximava, a emissão de títulos e a dívida disparavam. O Banco Central tratou de privatizar os bancos estaduais, tirando o brinquedo das mãos dos governadores.
Aí eles recorreram às Antecipações de Receita Orçamentária (AROs), com que pagavam dívidas que contraiam com bancos privados, pagando juros astronômicos. Regras restritivas - entre elas a obrigatoriedade de o pagamento do débito ser efetuado no mesmo ano e na própria gestão do tomador - levaram governadores a desistirem das AROs.
Outro ralo havia nas distribuidoras estaduais de energia elétrica, usadas politicamente para dar energia de graça a prefeituras aliadas ou vender energia para grandes empresas, com 70% de desconto e em contratos longos de fornecimento - de oito, dez anos de prazo -, desde que o pagamento fosse antecipado e à vista. Lógico, cabia ao próximo governador fornecer energia de graça ao comprador ao longo de dez anos. A solução foi cortar o mal pela raiz, privatizar as distribuidoras, tirando-as do poder de maus governantes.
Por fim, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) mapeou todos os truques e espertezas de gestores públicos, enquadrou-os em restrições legais, como a limitação de endividamento e de contratação de funcionários, e conseguiu a proeza de organizar as contas e produzir superávits de governos estaduais e prefeituras antes cronicamente deficitários. Habituados a correr à Brasília oferecendo apoio político em troca de favores financeiros sempre que o cofre do Estado zerava, os governadores encontraram resistência em Fernando Henrique Cardoso, que não cedeu simplesmente porque o aparato legal passou a não mais permitir. Atualmente, praticamente todos os Estados exibem boa situação fiscal, sobra dinheiro para investimentos.
Cargos e verbas. O foco da corrupção, agora, está na relação entre o Executivo e seus aliados no Congresso, no aproveitamento ilícito dos cargos no governo, rateados entre os partidos, e no uso político do dinheiro liberado para emendas ao Orçamento feitas por parlamentares. As duas práticas não são novas. Vêm desde José Sarney na Presidência da República, que as estreou com enorme fartura para ampliar seu mandato de presidente.
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Anões do Orçamento - os deputados envolvidos eram baixinhos -, em 1993, apurou 18 casos de emendas cujo dinheiro não chegou ao destino, sumiu. Seis deputados foram cassados e quatro renunciaram para não perderem direitos políticos. Para explicar seu inexplicável enriquecimento, um deles, João Alves (PDS-BA), afirmou ter ganho mais de 200 vezes na loteria. Hoje, a deputada Fátima Pelaes (PMDB-AP) sumiu com o dinheiro de uma emenda que seria aplicada em turismo no Amapá, e a Câmara de Deputados cruza os braços.
As emendas ao Orçamento cumprem a mesma função dos bancos estaduais: antecipam dinheiro para a campanha. Só que agora os beneficiados são o deputado e seus parceiros - ONGs (organizações não governamentais) e empresas fantasmas que atuam como intermediárias. Como a deputada do Amapá, outros também usam o dinheiro em suas campanhas eleitorais. O método é chantagear, ameaçar o Executivo, e o presidente acaba liberando a verba. Dilma Rousseff, por exemplo, acaba de autorizar R$ 1 bilhão para atender parlamentares.
As emendas são uma anomalia política que legaliza a fraude e incentiva a corrupção. Deputados e senadores jamais irão revogá-las espontaneamente. Uma CPI como a de 1993 ajudaria, mas a pressão da sociedade mobilizada numa campanha nacional nas ruas teria mais poder para fazer valer os interesses do País contra a esperteza dos parlamentares.
Quanto ao rateio de cargos entre aliados, corrigir o que está errado é mais fácil, porque a decisão está nas mãos do Poder Executivo, apenas. É certo que, num governo de aliança, é legítimo os partidos estarem representados na gestão. Mas há limites, o presidente não pode lotear o governo a torto e a direito, como fez Lula.
Se Dilma Rousseff persegue uma gestão séria e competente, ela precisa acertar com os partidos regras previamente definidas como: limites para indicações; cargo técnico é inegociável; o partido sugere nomes, mas a escolha é do presidente; todos os candidatos devem ter ficha limpa; e um aviso: irregularidades serão sumariamente punidas com perda do cargo.
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