A "missão heroica" do BNDES
ELIO GASPARI
O GLOBO - 03/07/11
Diniz criou um império, e já litigou com sócios; a nova briga é de gente grande, mas a Viúva não tem nada com isso
NO DIA 25 de junho do ano passado, Geyze Diniz, mulher de Abilio, dono do Grupo Pão de Açúcar, recebeu um grupo de senhoras do andar de cima de São Paulo para que conhecessem Dilma Rousseff. Salvo pelo champanhe Veuve Clicquot, foi um encontro frugal, brevemente abrilhantado pelo anfitrião.
Um ano depois, num salto triplo carpado, Abilio Diniz detonou sua sociedade com o grupo francês Casino e quer se associar ao Carrefour. Diniz criou um império de 1.800 lojas, com 140 mil funcionários. No caminho, litigou com familiares e sócios. Sua nova briga é de gente grande. Ninguém tem nada com isso, muito menos a Viúva.
Usando o vocabulário do senador Aloizio Mercadante na louvação de seus aloprados, o governo deu ao BNDES a "missão heroica" de amparar Diniz. O empresário, o Planalto e o ministro Fernando Pimentel sustentam que o negócio é bom porque evita a desnacionalização do comércio de varejo, porque o BNDES não botará dinheiro da Viúva na transação, pois só a financiará porque a banca não cumpriu o papel que lhe cabe. Pura parolagem, ofensiva à inteligência alheia.
Quem desnacionalizou o Pão de Açúcar foi Abilio Diniz quando vendeu 36,9% da empresa, com a promessa da entrega do controle aos franceses no ano que vem. Se agora não quer entregar o que vendeu, o problema é das duas empresas.
O dinheiro que o BNDES vai botar num litígio judicial é dele e ele é da Viúva. Nessa "missão heroica", não se sabe sequer o tamanho do ervanário. Segundo o Pão de Açúcar, R$ 3,9 bilhões. Segundo o banco, "até" R$ 4,5 bilhões.
O comissariado do BNDES diz que a entrada do governo na briga "abre caminho para maior inserção de produtos brasileiros no mercado internacional". Carlos Lessa, ex-presidente do banco, duvida: "O Brasil não precisa ser sócio minoritário de um supermercado na França para garantir mercado lá fora".
Desde 2009 sabe-se que a matriz do Carrefour quer passar adiante sua rede de Pindorama. Ela se meteu em trapalhadas contábeis e tomou um tombo de R$ 1,2 bilhão. É esse buraco que os heróis oferecem à Viúva.
Pimentel diz que a banca não cumpriu seu papel. Nesse caso, todos os investidores do mundo estão errados, só os companheiros estão certos, heroicamente certos.
REGISTRO SOCIAL
Há muito tempo o Rio não via festa tão bonita. Quem conhece as belezas da cidade garante que o Copacabana Palace só teve festa de casamento igual em 1985, quando Antonia Mayrink Veiga tornou-se sra. Guilherme Frering. Ele era o herdeiro do império mineral do empresário Augusto Trajano Antunes.
No último dia 25, o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) recebeu mil convidados para o casamento de sua filha Danielle. A festa ocupou todos os salões do grande hotel, lindamente decorados com flores. No Golden Room, que já foi iluminado por Rita Hayworth, Marlene Dietrich, Kirk Douglas e Maurice Chevalier, brilhavam Edison Lobão (PMDB-MA), Romero Jucá (PMDB-RR), Geddel Vieira Lima (PMDB-BA) e Hélio Costa (PMDB-MG).
DEU BOLO
A atribuição ao BNDES da missão heroica de bancar o salto triplo de Abilio Diniz correu dentro do governo e do banco com muito menos suavidade do que se dá a entender. Ela poderá vingar, mas a tentativa de apresentá-la como fato consumado derreteu em menos de 24 horas.
O doutor Luciano Coutinho faria muito bem ao BNDES se mandasse conservar todos (repetindo, todos) os documentos, memorandos e registros da duração de audiências e contatos telefônicos relacionados com esse assunto.
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e fica confuso quando ouve o governo dizer que este ou aquele investimento ou despesa não será coberto por dinheiro público. O idiota propõe que a doutora Dilma mande pintar de verde todas as cédulas usadas para pagar contas do governo. Não mudará muita coisa, mas dará colorido às transações.
TRENS-BALAS
Com jeito de quem não quer nada apareceu uma nova girafa no bestiário do projeto do trem-bala. Para baratear a obra, a entrada do bólide nas grandes cidades seria feita sobre pistas elevadas, em vez de túneis.
Os transportecas querem construir elevados numa época em que cidades como Nova York e Boston demolem os seus. A doutora Dilma poderia ser convidada para inspecionar a degradação produzida em São Paulo pelo Minhocão e no Rio pela Perimetral.
Por falar em trem-bala, foi inaugurada a linha Pequim-Shangai. Tem 1.300 quilômetros, custou US$ 33 bilhões e ficou pronta em 39 meses.
Liu Zhijun, o poderoso ministro das ferrovias da China, foi demitido em fevereiro e parece que foi posto na cadeia. Seu irmão, que também operava no setor, cumpre pena de 18 anos, mas salvou-se da bala na cabeça a que foi condenado por mandar matar um cidadão que denunciou suas roubalheiras.
Stalinismo de mercado é assim: faz o obra, mas encarcera o comissário ladrão.
No capitalismo companheiro, o trem-bala não existe, mas já patrocinou diversas "missões heroicas".
MICOS OLÍMPICOS
Quando Henrique Meirelles foi indicado para chefiar a Autoridade Pública Olímpica, quem conhece a história dos jogos sentiu um alívio. A esperança micou. Para o cargo foi o ex-ministro Márcio Fortes.
Meirelles será o representante da União num conselho tripartite, junto com delegados do governo do Rio e da prefeitura da cidade.
Há um novo mico à vista, caso Meirelles assuma funções executivas num fundo de investidores americanos com brasileiros do ramos de empreitadas de obras.
O SEGURANÇA VIROU BABÁ DE CACHORRO
O presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ari Pargendler, passou por uma experiência demonstrativa de que segurança pode acabar virando encrenca. Ele, como todos os seus colegas, dispõe do apoio de um serviço (terceirizado) que vigia sua casa.
No domingo, 22 de maio, a ata do plantão da equipe 4 reportou o seguinte fato: "Por volta das 10h30 o vigilante Rogerio do posto QI 15 entrou em contato para informar que a cadela pertencente à esposa do Ministro Presidente apresentava-se com um ferimento no dorso e em razão disso foi orientado a monitorá-la. (...) O fato foi reportado ao chefe do SESES, sr. Ronaldo, que solicitou que o repassasse diretamente ao Sr. Secretário de Segurança (do STJ). Assim foi feito, tendo o Sr. Secretário informado que tomaria as providências devidas".
Pargendler e sua mulher estavam viajando, a cadela tinha um inchaço decorrente de uma vacina e uma empregada acionou o segurança. O segurança, ao relatar o fato, cumpriu o protocolo de sua função. O ministro conta que o responsável pelo serviço, de férias em Fortaleza, informou que cuidaria do assunto, mas nada foi necessário fazer.
Em burocratês, o caso ficou ridículo. É o risco que se corre quando se permite que seguranças pagos pela Viúva recebam tarefas domésticas, tanto de bípedes como de quadrúpedes.
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