O dinheiroduto do BNDES
CELSO MING
O Estado de S.Paulo - 13/07/11
A veemente rejeição da proposta de megafusão entre o Grupo Pão de Açúcar e os Supermercados Carrefour pelo sócio preferencial, o grupo francês Casino, joga novo foco de luz na atuação do BNDES, especialmente no açodamento com que havia aprovado e recomendado o projeto.
Baseado em avaliação de cinco bancos e consultorias de peso (Santander, Goldman Sachs, Messier-Maris, Rothschild e Merril Lynch), o Grupo Casino torpedeou, ontem, a iniciativa do presidente do Grupo Pão de Açúcar, Abilio Diniz.
A partir do relato do correspondente Andrei Netto, ficamos sabendo que o Conselho de Administração do Grupo Casino definiu o projeto da megafusão como "contrário aos interesses dos acionistas, baseado numa estratégia errada e em estimativas de sinergias fortemente superdimensionadas".
Depois de proclamar sucessivamente que o negócio é "de interesse nacional", "bom para todos" e "bom para o Pão de Açúcar", o empresário Abilio Diniz teve de ouvir dos membros do Conselho de Administração do sócio francês, reunidos em Paris, que sua proposta não é boa nem mesmo para o Pão de Açúcar.
Ficou dito, também, que um investimento em ações do Carrefour é "arriscado, em razão das dúvidas expressas pelos mercados sobre sua estratégia".
Apoiado apenas em uma sigla de luz própria relativamente baixa, a do BTG Pactual, especializado em hospitalização de empresas em fase terminal, Abilio tentou arrastar o BNDES para a sua parada. Seu vice-presidente, João Carlos Ferraz, acorreu pressuroso, reconhecendo imediatamente nesse arranjo um interesse estratégico e uma fonte de criação de valor - ambos duvidosos. E aparentemente estaria disposto a despejar mais de R$ 4 bilhões em vitamina pública no projeto, não fosse a inesperada (para eles) reação da sociedade contra a chancela oficial de uma disputa entre grupos privados pelo controle acionário de uma rede de varejo.
Felizmente, evocando "seu compromisso com a estrita observância das leis e dos contratos, baseado em rigorosos princípios de ética", o BNDES avisou oficialmente que ficaria de fora do negócio, enquanto esse não obtivesse o entendimento entre seus acionistas. E, não obstante a obstinação do agora isolado empresário Abilio Diniz em manter de pé seu plano, o desfecho da reunião de Paris mostra que esse acordo ficou difícil.
Mas o provável fracasso da armação não absolve o BNDES, cuja atuação começa a ser cada vez mais contestada. O mesmo serve para o governo federal, que sustenta a máquina de favorecimentos com verbas não orçamentárias, graças ao uso do dinheiroduto instalado em ligação direta entre o BNDES e o Tesouro.
Também não absolve o Banco Central. O BNDES, presidido por Luciano Coutinho, pode alcançar, em 2011, perto de R$ 300 bilhões em financiamentos subsidiados a seus eleitos ao longo dos anos, bem abaixo dos juros primários (Selic). Assim, boicota a política monetária, que deve agir sobre canais de crédito. E, até agora, o Banco Central foi incapaz de denunciar os rombos provocados pelo BNDES no sistema vascular do plano de metas de inflação.
O provável desmanche do projeto da megafusão também não absolve a oposição, que não está sendo capaz de denunciar o mau uso do BNDES, neste governo e no anterior. Essa é uma oposição sem discurso e que, hoje, não passa de um enorme apagão político.
CONFIRA
Trégua
Apesar da falta de progresso nas negociações sobre o socorro à Grécia, os mercados financeiros deram ontem uma trégua às dívidas da Itália e da Espanha. Continuou a fuga das aplicações de risco, mas sem o nervosismo do dia anterior. Falta saber se os mercados resistirão à vacilação geral dos políticos.
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